Pra você juntar/E queria sempre achar/Explicação pro que eu sentia./Como um anjo caído/Fiz questão de esquecer/Que mentir pra si mesmo/É sempre a pior mentira,/Mas não sou mais/Tão criança a ponto de saber tudo - Legião Urbana.
Tartarugando de um lado para o outro, ora
espreitando pelo buraco da fechadura, ora tentando escutar, com o ouvido
direito colado a porta, o que se passava dentro do quarto, Petrus, por duas
vezes, tentou entrar, mas receoso de infringir a ordem dada pela parteira,
sentou-se e inquieto permaneceu com os olhos vidrados na porta.
Os flashes da lâmpada em intervalos
intermitentes, devido ao seu defeito, não permitiam a parteira ter a nitidez
das imagens que lhe chegava aos olhos, por isso ela foi à janela e a abriu para
ter mais luminosidade. Do lado de fora da casa, a escuridão era mais intensa.
Ela perscrutou com os olhos até aonde as suas vistas permitiam e reparou que o nevoeiro
havia desaparecido, não obstante, ao olhar para o céu, o viu coberto por um
manto negro, então, a razão tomou conta dela fazendo notar que algo de estranho
estava acontecendo ali, desde o momento que chegara, ela só presenciou trevas e
destruição.
Se a parteira tivesse obedecido à razão,
desprenderia os pés do chão e passos a passos teria caído fora dali, não que isso
a salvasse, pois lá fora o cenário era pior, porém, iria com a sensação que
tentou se salvar, contudo, o recém-nascido lhe prendia ali, inquietava-a não
saber o que lhe aconteceu.
As sombras distorcidas refletidas nas
paredes do quarto não a amedrontavam, pois sabia que na escuridão, o medo
criava monstros. Percorreu os olhos por todo o quarto até pará-los em um borrão
enegrecido pendurado no caibro. Cerrou os olhos, apurou as vistas para melhor
enxergar e não acreditou no que viu. Trêmula, suas pernas não aguentou o peso
do corpo e a levou ao chão, desacordada.
O nevoeiro havia baixado, a cidade,
aparentemente, voltava ao normal, porém permanecia em escuridão total, sob o
céu anjos Shaitans, formando um infinito manto negro, aguardava ordens para atacar.
Dentro da casa, Furiosus e Iratus esperavam os instintos animalescos de Lucius
vir à tona para provar o início da sua maturação.
Entre os dois anjos Shaitans se encontrava
Lucius pendurado no caibro de cabeça para baixo, segurando-o com as garras dos
pés, o seu corpo estava maturando, asas se delineavam embaixo da pele tentando
vir à luz. Contudo, havia uma luta licenciosa do sangue humano para estancar a
maldade que o plasma do Senhor das Trevas operava no seu corpo, a escuridão
ainda não havia atingido o seu espírito. Quanto maior a quantidade de outro
sangue humano que não fosse da sua linhagem familiar, mais rápida seria a
aceleração do processo de maturação, consequentemente, Lucius adquiriria
aspectos diabólicos.
Furiosus sabia que o corpo desacordado da
parteira no chão pulsando sangue cálido por suas artérias não seria o
suficiente para acelerar o processo de maturação. O da mãe, morta na cama,
Lucius não poderia usar, pois ele foi usado na sua feitura. O do pai só se
fosse necessário, mesmo sabendo que ele desaceleraria o processo, no entanto
ele precisava de tempo até eles chegarem à casa marcada com a cruz e a estrela.
O sangue do recém-nascido completaria o processo de maturação.
Duas cadeiras de ferro com assento e encosto
entrelaçados por fios de polietileno nas cores azul e vermelho; uma televisão
desligada colocada sobre um tampo de madeira jacarandá adaptada a um pé de mesa
de ferro de máquina de costura Singer servindo como rack; um cesto de vime
contendo algumas revistas de fofocas sobre celebridades em um dos cantos da
parede eram as únicas mobília da sala; mais adiante o buraco na parede, Petrus,
com a mente presa na preocupação do nascimento do seu filho, não percebeu.
Afoito, folheava as páginas da revista umedecendo os dedos em sua língua, sem
dar atenção para o que estava escrito. A espera o inquietava. Impaciente, ele
cruzou as pernas da direita para a esquerda e da esquerda para a direita,
amiúde. Ao entrecruzar as pernas, Petrus fazia um ruído agudo devido o
movimento da cadeira de ferro no piso. Imperceptível a qualquer mortal que
estivesse a poucos metros dali, o ruído não era para quem tem ouvidos apurados.
Lucius o ouviu, o seu instinto animalesco estava apurado, ele já sabia que
precisava de sangue para a sua maturação. O destino da parteira, Furiosus e
Iratus já sabiam que estava selado, o de Petrus acabara de saber quando Lucius
mostrando as suas presas apontou em direção da porta.
Lá fora, na rua, o vento levantava a poeira
do chão, o nevoeiro tinha dispersado havia tempo, o sol estampava no céu o seu
brilho, porém, o manto negro impedia o seu reflexo. Cálido e totalmente escuro,
o dia surgia com os seus sons característicos vindos das casas: latidos de
cães, cantos de galos, balidos de ovelhas, mugidos de gados e os cantos
entoados pelos pássaros. Aos poucos, de dentro das casas, surgia o ruído de
água percorrendo os canos, o chiado ao romper as torneiras ou o da descarga do
vaso sanitário. Noutras casas apresentava o ruído característico de chuveiro
ligado, sinal de que, aparentemente, a vida tomava o seu curso normal. Contudo,
uma única casa não apresentava esses ruídos, e a parteira seria testemunha do
que ocorreria ali.
Furiosus retirou o pente de balas de sua
arma e inseriu o pente com cravos. Movimentando o dedo indicador, ordenou a
Iratus que erguesse a parteira. Iratus desprendeu do caibro imediatamente e
voou em direção ao chão, abraçou a parteira, ainda desacordada, com as duas
asas levantando voo, suspendeu-a no ar, abriu os seus braços e a largou. Imediatamente
fechou as suas asas, embicou e desceu com os pés juntos, parou no ar assim que
a parteira começou a cair, flexionou os joelhos e arremessou os pés em direção
do tórax dela. Com o impacto, a parteira voou na ascendente indo de encontro à
parede. Lestamente Iratus espargiu o pó do sono para ela não despertar;
enquanto isso, Furious disparava a sua arma pregando mãos, braços, pernas e pés
da parteira na parede. Com as garras dos pés Iratus fez a sangria no pescoço da
parteira. Lucius, até então quieto, teve seu instinto aguçado pelo cheiro de
sangue fresco. Com os caninos à mostra, ele se jogou no pescoço da parteira.
O ruído despertou em Petrus a curiosidade,
ele foi em direção à porta e abaixou a maçaneta tentando abri-la, um pó denso
espargiu do buraco da fechadura deixando sonolento. Sem poder de ação, Petrus
prostrou na cadeira de ferro.
Aos poucos a luz lhe foi tirada dos olhos
como se tivesse faltado energia, porém era a vida que lhe faltaria em poucos
instantes. A parteira não acreditou no que estava vendo, o recém-nascido que
até poucos minutos atrás estava pendurado no caibro, agora era um menino a lhe
sugar o sangue. Quando finalmente ele a soltou, tirando os cravos que a prendia
na parede, ela viu o seu corpo espatifar no chão. Seus olhos agora enxergavam
com clareza, o menino se tornou um rapaz, horrendo, com garras nos pés e mãos,
caninos tão afiados como um picador de gelo e asas querendo brotar de sua pele.
Ela se perguntou quem era aquele menino, e por qual motivo ele aceleradamente
se transformou em um rapaz com aparência diabólica. Antes que as respostas lhe
aparecessem diante dos seus olhos, ela viu um halo de luz e de dentro dele
surgir os Servos dos deuses que vieram lhe buscar, pois ela era um espírito de
luz. Mesmo assim, ela lutou para não ir, precisava salvar aquele rapaz. Então,
por escolha própria, ela ficou.
Furiosus armou o recipiente Tenebrae para
capturar o espírito da parteira, uma sombra enegrecida saiu do mesmo
perscrutando a esmo, porém não o encontrou. Diante deste imprevisto, ele
acelerou os seus afazeres para finalizar a sua missão. Armou o caldeirão
Diabolus, picou a raiz de valeriana cultivada nos campos do Senhor das Trevas,
adicionou o plasma do mesmo, acionou o sistema vibratório enfiando a espada
Daemo no lugar apropriado, depois ligou o processo de maceração e por fim o de
evaporação. Após alguns segundos, Furiosus tinha pó o suficiente para espargir
sobre a cidade. Cismado, ele foi lá fora, olhou minuciosamente a rua buscando
movimentos suspeitos, fixou o olhar no manto negro e reparou certa inquietude
nos anjos Shaitans. Ao entrar à casa, não perdeu tempo e retirou o pente da
arma, e deste todas as balas, inseriu nelas o plasma do Senhor das Trevas e as
fechou recolocando no pente e este na arma, destravou a pistola e a guardou no
coldre. Sabia que o anjo Hesediel não tardaria a chegar com a sua protegida. Ao
pensar nisso, uma gota de suor escorreu do seu rosto, Iratus, atento aos
movimentos de Furiosus, percebeu, e sentiu o mesmo medo, porém, a sua sudorese
eram nas mãos.
Iratus colocava o caldeirão Diabolus
desarmado na sua mochila, enquanto Furiosus colocava o pó do sono no corno do
Senhor das Trevas fechando o bocal, a sua arma no coldre direito e o recipiente
Tenebrae no coldre esquerdo, quando foram surpreendidos pelo espírito da
parteira adentrando o quarto em forma espiral e atingindo Lucius no peito.
Lestamente, Furiosus destravou o coldre esquerdo armando o recipiente Tenebrae
e o arremessou em direção a Lucius. Assim que o recipiente Tenebrae deslizou
pelo chão, de dentro dele saiu uma sombra enegrecida com tentáculos na ponta
agarrando o espírito da parteira e o desprendendo do peito de Lucius. A sombra
e o espírito lutavam freneticamente derrubando tudo que encontravam pelo
quarto. Furiosus pensou em usar a sua arma para extinguir de uma vez por toda o
espírito da parteira, mas reteve o impulso, pois desperdiçaria munição em um
espírito sem valor, aquelas balas tinham dono, o espírito de Hesediel, além
disso, Tenebrae daria conta do recado.
A sombra abraçou totalmente o espírito e
este tal uma vela quando vai perdendo o lume quando o pavio chega ao fim extinguiu-se
deixando um tênue fio de fumaça que dispersou no ar. Ao abaixar para pegar o recipiente
Tenebrae, Furiosus percebeu transformações em Lucius. Sem perder tempo, Lucius se
arremessou em direção à porta arrombando-a.
Continua domingo às 12hs00min
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