DEZ ANOS DEPOIS
Havia dez anos que Angélica havia morrido, Pedro estava para completar vinte e cinco anos. Durante todo este tempo ele se entregou a tristeza, a dor da perda tecia em seu coração elos difíceis de serem desembaraçados. No início do seu sofrimento, ele procurou alívio na bebida, depois, achou a tranquilidade ao fumar maconha e por fim a cocaína retirou qualquer sentimento de dor, ele estava fora de si. Todas as tardes, ele sentava no toco da árvore que o caminhão havia se chocado. Tentou por várias vezes ressuscitá-la, porém a morte encerrava qualquer tentativa de revida. Ele mais morto estava, sentia isso. O alívio que as drogas davam era momentâneo, o depois era devastador. Sentado, ele pegava alguns pedregulhos na rua e jogava no ar, qual a sua intenção com isso ninguém sabia. Ele sabia, tentava matar os seus monstros, imaginários ou não, sabia que não conseguiria. E se se matasse, fez essa pergunta pela primeira e única vez.
Seu pai o acompanhou na sua travessia de tristeza e dor, tentando animá-lo e reforçando o que Angélica havia dito, sempre há um depois. Orava todos os dias, pois não tinha mais de onde tirar energia para continuar esta luta inglória, usava a sua última arma, a fé. Tinha conhecimento que todo viciado em drogas começa com um inocente cigarro de maconha e toma um caminho cujo retorno é difícil de conseguir, se livrar das drogas pesadas. Pedro tomou este caminho, se houver uma volta, terá de ser pelas mãos de Deus, as suas não eram suficientes.
O cachimbo de crack estava em cima da cômoda, Pedro o olhava, porém, além dele havia alguém lhe chamando, era um dos seus monstros, a morte. A pedra de Ox também lhe chamava, animada pela sua abstinência, ganhou vida e sussurrou em seus ouvidos: "Para que se matar, se me possuindo, você morre aos poucos, com prazer". Pedro foi em direção ao cachimbo e ao tentá-lo pegar, surpreendido, foi a morte que o agarrou. Seu destino estava selado.
Seu Edson olhou para as suas mãos e se fez uma pergunta: "E se Deus usar as minhas mãos para salvar o meu filho". Não esperou respostas, ele saiu da padaria correndo, entrou dentro de casa e foi direto para o quarto do filho. O bilhete estava debaixo do cachimbo de crack, ao lado estava a caneta que ele usou para escrever e uma pedra de Ox recém-usada. Percebeu que chegara tarde demais.
"Pai perdoa-me, você sabe que eu tentei, percebi que esse depois nunca chega, além disso, dia após dia, eu vivia a espera desse depois. Pai, eu quero o agora, e o agora, perdoa-me, é o meu fim". Apesar do bilhete deixado por Pedro estar ininteligível devido às letras disformes, seu pai entendeu muito bem o que estava escrito. Então, ele prostrou ajoelhado na cabeceira da cama, chorando, estendeu as suas mãos sobre a cama e as levou para o alto.
- Pai, essas mesmas mãos que castigaram quando ele errou, não souberam retirá-lo do fundo do poço quando ele sucumbiu. Pai, o Senhor, como eu, também é Pai, por isso Lhe imploro, ao invés de levar o meu filho, leve a mim. Falhei por não ter dado ouvidos a Angélica, o anjo que o Senhor mandou para nos alertar, por isso, Pai, leva-me, eu não conseguirei suportar essa perda.
Levado pela emoção, após fazer suas orações, o coração do Seu Edson não resistiu. A janela do quarto abriu-se brutamente, uma corrente de ar gélida levou consigo o bilhete. Seu Edson, antes de fechar os olhos definitivamente, ainda movido pela emoção, balbuciou: "Angélica, você veio salvá-lo?". Um lampejo de luz que ainda resistia ouviu a resposta. Ele se foi tranquilo.
Os passos, imprecisos, de Pedro não tinham direção, o mesmo não podia dizer de suas intenções. Cambaleando entre o meio fio e a avenida, a iminência de ser atropelado era provável, se não foi até agora era porque o fluxo do trânsito estava lento no sentido bairro centro, por isso, os carros conseguiam desviar dele. No sentido contrário, centro bairro, o trânsito estava intenso e parado, nada movia, somente o tempo.
O tempo de Salvador estava expirando, ele precisava chegar ao seu destino, com o trânsito parado, ele não conseguiria. Como não tinha nem tempo para pensar, instintivamente, entrou à direita, estacionou o carro e resolveu fazer o resto do percurso a pé, seria mais quinze minutos de caminhada. O começo de noite estava claro e fresco, o inverno não era intenso, e isso era bom para os sem-teto. Lua e estrelas, além de darem ao céu luminosidade, davam, também, a Salvador esperança necessária para que a distribuição de sopa trouxesse aos desvalidos alívio para as suas dores, afinal, para ele, aquela sopa era o pão que Deus amassou. Ele atravessou a avenida, ergueu a cabeça, olhou além, sorriu para si mesmo e foi feliz, pois carregava intrínseco a intenção de ajudar os outros.
Pedro olhou além e viu uma luz bem distante e tomou uma decisão, o seu fim também seria o fim da sua dor. Se ele tivesse fé enxergaria nessa luz a sua salvação, mas não era. Os dois faróis do caminhão vinham altos, a avenida estava livre, o motorista pisou no acelerador, obedecendo aos limites de velocidade. Os sem-tetos, alguns metros dali, estavam formando fila para retirar a sua sopa, preocupados com a sua fome, eles não sabiam da intenção de Pedro.
A felicidade de Salvador aumentava assim que ele se aproximava do local de distribuição da sopa. A luz alta do farol do caminhão ofuscava a sua visão, porém, a luz que iluminava o seu caminho era outra, por isso ele continuou andado sem dar importância à luz do caminhão, a luminosidade que o fazia enxergar era outra. O mesmo não poderia dizer de Pedro, sem intentar para a luz que mudaria o seu destino lhe dando conforto e compreensão, ele divisou a chegada do caminhão e se jogando embaixo dele, abreviando a sua dor com o fim da vida. Pedro não sabia que a morte não encerra a vida, nem abrevia a dor. O céu trabalhava movido pelas orações do seu pai e de sua namorada, e uma luz maior os iluminou, o céu e o Pedro.
Pedro se jogou no exato momento que Salvador ia passando, os dois caíram na avenida. O motorista do caminhão de lixo ouvia a sua música preferida, ia levando o caminhão para a garagem, ele tinha pressa, esposa e filhos o esperavam. Uma interferência provocou um ruído na estação de rádio sintonizada, e ele tentando resolver o problema viu os dois corpos no asfalto, em sua mente veio a imagem do acidente na rua da padaria, a culpa que ele levava por ter matado aquela adolescente, a árvore. Não havia nenhuma árvore na avenida, a calçada estava lotada de sem-teto, no sentido contrário da avenida, um tapete de carro o impedia de ir na contra mão para livrar dos dois. O motorista, sem poder de ação, não freou, não desviou, apenas orou e passou. Ele não sentiu o impacto dos corpos no caminhão, nenhum solavanco, assustado, olhou no retrovisor e sentiu um alívio imenso. Olhou para o céu iluminado e agradeceu. Os dois estavam em pé na calçada se refazendo do susto. O rádio, sozinho, voltou à sintonia anterior tocando a canção Jesus Cristo na voz de Roberto Carlos.
Quantas vezes não temos a noção do poder de DEUS em nossa vida... Enviando anjos para que possam nos ajudar e salvar.
ResponderExcluirA história está emocionante e nos faz refletir muito sobre os passos dados nessa vida!
Um abraço carinhoso
Interessante, antes de vir para o seu blog estive em um outro que tocava a música Jesus Cristo.
ResponderExcluirLer sua história e pensar na vida, e nos acontecimentos dela, o porquê de alguns encontros e desencontros, de acidentes, de mortes...
abraço
...só uma perguntinha básica:
ResponderExcluircomo não chorar lendo você?
afemaria quanta criatividade, my God!
bj, moço querido!
Lindo tudo ... sempre belo!!
ResponderExcluirObrigada pela visita!!!
MYRA, ANONIMA!
ResponderExcluirVivian tem razao!para mim é demais...e ainda nao resolvi se crer ou nao:(mas que vc escreve tao beeem, nao ha duvida!
abraço!
Ai, Eder, que aflição ter que esperar pela continuação...
ResponderExcluir=\
Gosto muito dos teus textos.
Beijos.
Se você diz que meu poema é sensível e tocante, o que direi do seu??...Obrigada Deus, pela poesia que há em nós....Há que se ter um receptáculo sensível para acolher o que diz o poeta...Beijos meu querido.
ResponderExcluirSeus texto emocionam, mais longe eu vou, tocam o coração da gente, e encanta pelas lições que tenta passar em seu espaço, vc faz a diferença na blogsfera amigo meu!!!
ResponderExcluirCom muito carinho e admiração por seus escritos!!!
abração de urso!!
com carinho
Hana
Vai o amigo Eder se constituindo nas palavras, nas linhas das fabulações, nos espessos fios da realidade. Vai o texto corporificando seu corpo aos nossos olhos, corpo de suavidades, intensidades, poesias.
ResponderExcluirObrigado AMIGO pela presença lá no ESSAPALAVRA pelo afeto, pelas palavras estimuladoras.
...veja só como é a vida:
ResponderExcluireu tbm me apaixonei pelo circo,
e queria porque queria ir embora
com ele.
fiz até a mala escondido...rsrs
afemaria quanta inocência naqueles dias!
bjokasssssssss da Vivi sonhadora!
rsrs