Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Depois - 4ª Parte



DEZ ANOS DEPOIS

   Havia dez anos que Angélica havia morrido, Pedro estava para completar vinte e cinco anos. Durante todo este tempo ele se entregou a tristeza, a dor da perda tecia em seu coração elos difíceis de serem desembaraçados. No início do seu sofrimento, ele procurou alívio na bebida, depois, achou a tranquilidade ao fumar maconha e por fim a cocaína retirou qualquer sentimento de dor, ele estava fora de si. Todas as tardes, ele sentava no toco da árvore que o caminhão havia se chocado. Tentou por várias vezes ressuscitá-la, porém a morte encerrava qualquer tentativa de revida. Ele mais morto estava, sentia isso. O alívio que as drogas davam era momentâneo, o depois era devastador. Sentado, ele pegava alguns pedregulhos na rua e jogava no ar, qual a sua intenção com isso ninguém sabia. Ele sabia, tentava matar os seus monstros, imaginários ou não, sabia que não conseguiria. E se se matasse, fez essa pergunta pela primeira e única vez.

   Seu pai o acompanhou na sua travessia de tristeza e dor, tentando animá-lo e reforçando o que Angélica havia dito, sempre há um depois. Orava todos os dias, pois não tinha mais de onde tirar energia para continuar esta luta inglória, usava a sua última arma, a fé. Tinha conhecimento que todo viciado em drogas começa com um inocente cigarro de maconha e toma um caminho cujo retorno é difícil de conseguir, se livrar das drogas pesadas. Pedro tomou este caminho, se houver uma volta, terá de ser pelas mãos de Deus, as suas não eram suficientes.
   O cachimbo de crack estava em cima da cômoda, Pedro o olhava, porém, além dele havia alguém lhe chamando, era um dos seus monstros, a morte. A pedra de Ox também lhe chamava, animada pela sua abstinência, ganhou vida e sussurrou em seus ouvidos: "Para que se matar, se me possuindo, você morre aos poucos, com prazer". Pedro foi em direção ao cachimbo e ao tentá-lo pegar, surpreendido, foi a morte que o agarrou. Seu destino estava selado.

   Seu Edson olhou para as suas mãos e se fez uma pergunta: "E se Deus usar as minhas mãos para salvar o meu filho". Não esperou respostas, ele saiu da padaria correndo, entrou dentro de casa e foi direto para o quarto do filho. O bilhete estava debaixo do cachimbo de crack, ao lado estava a caneta que ele usou para escrever e uma pedra de Ox recém-usada. Percebeu que chegara tarde demais.
   "Pai perdoa-me, você sabe que eu tentei, percebi que esse depois nunca chega, além disso, dia após dia, eu vivia a espera desse depois. Pai, eu quero o agora, e o agora, perdoa-me, é o meu fim". Apesar do bilhete deixado por Pedro estar ininteligível devido às letras disformes, seu pai entendeu muito bem o que estava escrito. Então, ele prostrou ajoelhado na cabeceira da cama, chorando, estendeu as suas mãos sobre a cama e as levou para o alto.
   - Pai, essas mesmas mãos que castigaram quando ele errou, não souberam retirá-lo do fundo do poço quando ele sucumbiu. Pai, o Senhor, como eu, também é Pai, por isso Lhe imploro, ao invés de levar o meu filho, leve a mim. Falhei por não ter dado ouvidos a Angélica, o anjo que o Senhor mandou para nos alertar, por isso, Pai, leva-me, eu não conseguirei suportar essa perda.
   Levado pela emoção, após fazer suas orações, o coração do Seu Edson não resistiu. A janela do quarto abriu-se brutamente, uma corrente de ar gélida levou consigo o bilhete. Seu Edson, antes de fechar os olhos definitivamente, ainda movido pela emoção, balbuciou: "Angélica, você veio salvá-lo?". Um lampejo de luz que ainda resistia ouviu a resposta. Ele se foi tranquilo.

   Os passos, imprecisos, de Pedro não tinham direção, o mesmo não podia dizer de suas intenções. Cambaleando entre o meio fio e a avenida, a iminência de ser atropelado era provável, se não foi até agora era porque o fluxo do trânsito estava lento no sentido bairro centro, por isso, os carros conseguiam desviar dele. No sentido contrário, centro bairro, o trânsito estava intenso e parado, nada movia, somente o tempo.

   O tempo de Salvador estava expirando, ele precisava chegar ao seu destino, com o trânsito parado, ele não conseguiria. Como não tinha nem tempo para pensar, instintivamente, entrou à direita, estacionou o carro e resolveu fazer o resto do percurso a pé, seria mais quinze minutos de caminhada. O começo de noite estava claro e fresco, o inverno não era intenso, e isso era bom para os sem-teto. Lua e estrelas, além de darem ao céu luminosidade, davam, também, a Salvador esperança necessária para que a distribuição de sopa trouxesse aos desvalidos alívio para as suas dores, afinal, para ele, aquela sopa era o pão que Deus amassou. Ele atravessou a avenida, ergueu a cabeça, olhou além, sorriu para si mesmo e foi feliz, pois carregava intrínseco a intenção de ajudar os outros.

   Pedro olhou além e viu uma luz bem distante e tomou uma decisão, o seu fim também seria o fim da sua dor. Se ele tivesse fé enxergaria nessa luz a sua salvação, mas não era. Os dois faróis do caminhão vinham altos, a avenida estava livre, o motorista pisou no acelerador, obedecendo aos limites de velocidade. Os sem-tetos, alguns metros dali, estavam formando fila para retirar a sua sopa, preocupados com a sua fome, eles não sabiam da intenção de Pedro.
   A felicidade de Salvador aumentava assim que ele se aproximava do local de distribuição da sopa. A luz alta do farol do caminhão ofuscava a sua visão, porém, a luz que iluminava o seu caminho era outra, por isso ele continuou andado sem dar importância à luz do caminhão, a luminosidade que o fazia enxergar era outra. O mesmo não poderia dizer de Pedro, sem intentar para a luz que mudaria o seu destino lhe dando conforto e compreensão, ele divisou a chegada do caminhão e se jogando embaixo dele, abreviando a sua dor com o fim da vida. Pedro não sabia que a morte não encerra a vida, nem abrevia a dor. O céu trabalhava movido pelas orações do seu pai e de sua namorada, e uma luz maior os iluminou, o céu e o Pedro.
   Pedro se jogou no exato momento que Salvador ia passando, os dois caíram na avenida. O motorista do caminhão de lixo ouvia a sua música preferida, ia levando o caminhão para a garagem, ele tinha pressa, esposa e filhos o esperavam. Uma interferência provocou um ruído na estação de rádio sintonizada, e ele tentando resolver o problema viu os dois corpos no asfalto, em sua mente veio a imagem do acidente na rua da padaria, a culpa que ele levava por ter matado aquela adolescente, a árvore. Não havia nenhuma árvore na avenida, a calçada estava lotada de sem-teto, no sentido contrário da avenida, um tapete de carro o impedia de ir na contra mão para livrar dos dois. O motorista, sem poder de ação, não freou, não desviou, apenas orou e passou. Ele não sentiu o impacto dos corpos no caminhão, nenhum solavanco, assustado, olhou no retrovisor e sentiu um alívio imenso. Olhou para o céu iluminado e agradeceu. Os dois estavam em pé na calçada se refazendo do susto. O rádio, sozinho, voltou à sintonia anterior tocando a canção Jesus Cristo na voz de Roberto Carlos.

CONTINUA EM 11/12/2011

Imagem clique AQUI

10 comentários:

  1. Quantas vezes não temos a noção do poder de DEUS em nossa vida... Enviando anjos para que possam nos ajudar e salvar.
    A história está emocionante e nos faz refletir muito sobre os passos dados nessa vida!

    Um abraço carinhoso

    ResponderExcluir
  2. Interessante, antes de vir para o seu blog estive em um outro que tocava a música Jesus Cristo.

    Ler sua história e pensar na vida, e nos acontecimentos dela, o porquê de alguns encontros e desencontros, de acidentes, de mortes...

    abraço

    ResponderExcluir
  3. ...só uma perguntinha básica:

    como não chorar lendo você?

    afemaria quanta criatividade, my God!

    bj, moço querido!

    ResponderExcluir
  4. Lindo tudo ... sempre belo!!
    Obrigada pela visita!!!

    ResponderExcluir
  5. MYRA, ANONIMA!
    Vivian tem razao!para mim é demais...e ainda nao resolvi se crer ou nao:(mas que vc escreve tao beeem, nao ha duvida!
    abraço!

    ResponderExcluir
  6. Ai, Eder, que aflição ter que esperar pela continuação...

    =\

    Gosto muito dos teus textos.

    Beijos.

    ResponderExcluir
  7. Se você diz que meu poema é sensível e tocante, o que direi do seu??...Obrigada Deus, pela poesia que há em nós....Há que se ter um receptáculo sensível para acolher o que diz o poeta...Beijos meu querido.

    ResponderExcluir
  8. Seus texto emocionam, mais longe eu vou, tocam o coração da gente, e encanta pelas lições que tenta passar em seu espaço, vc faz a diferença na blogsfera amigo meu!!!
    Com muito carinho e admiração por seus escritos!!!
    abração de urso!!
    com carinho
    Hana

    ResponderExcluir
  9. Vai o amigo Eder se constituindo nas palavras, nas linhas das fabulações, nos espessos fios da realidade. Vai o texto corporificando seu corpo aos nossos olhos, corpo de suavidades, intensidades, poesias.

    Obrigado AMIGO pela presença lá no ESSAPALAVRA pelo afeto, pelas palavras estimuladoras.

    ResponderExcluir
  10. ...veja só como é a vida:

    eu tbm me apaixonei pelo circo,
    e queria porque queria ir embora
    com ele.

    fiz até a mala escondido...rsrs

    afemaria quanta inocência naqueles dias!

    bjokasssssssss da Vivi sonhadora!

    rsrs

    ResponderExcluir