Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Depois - 3ª Parte


    O motorista do caminhão de lixo estava no fim do seu turno, ele iria entrar na última rua para coletar o lixo quando ao acionar os freios, as rodas não frenaram. Sem poder fazer a curva para entrar na rua devida, pois o caminhão tombaria, ele seguiu reto, ladeira abaixo. O motorista afivelou o cinto de segurança e começou a ciciar as suas orações. Estava sozinho, os garis haviam pulado quando percebeu que o caminhão não faria a curva. Ele não estava sozinho, suas orações foram ouvidas. A rua estava deserta, o sol surgia na linha do horizonte, adiante, ele viu uma árvore, era a luz que ele havia pedido a Deus. O aroma de pão fresco ele sentiu sendo trazido pelo vento. Era a rua da padaria.

   O pai de Pedro estava assando a última fornada de pão, puxando a última fila de pão do forno com a espátula de madeira, quando Angélica tentou passar despercebida, pois não suportaria uma despedida, e seu Edson a notou.
   - Angélica, ia sair sem se despedir?
   - Sim. Seu Edson.
   - Por que, filha? Fiz alguma coisa que lhe magoou. Se fiz, diga-me para lhe pedir perdão.
   - Não, seu Edson, você não me fez nada. Eu que vou fazer. Vou me separar do Pedro, e caberá ao senhor apoiá-lo para que ele não sucumba.
   - Como assim, minha filha. Separar para quê? Vocês se amam, parece que têm a mesma alma em corpos diferentes. Diz para mim, é apenas uma briga de casal, comum a todos os mortais. Vocês farão a paz depois e perceberão que é inútil até brigarem de novo, sucessivamente.
   - Sim, seu Edson, faremos as pazes e nos veremos depois. Lembre ao meu Pedro que sempre há um depois. Sempre. Nunca se esqueça de dizer a ele.
   As despedidas são sempre dolorosas. Angélica abraçou lacrimosa o pai de Pedro e saiu apressada da padaria. Ela não percebeu que Pedro assistira toda a cena escondido atrás do cilindro de massa. Receoso de interferir na cena, ele a perseguiu com os olhos e pressentiu algo de ruim. Correu desesperado pela padaria e antes de alcançar a calçada, ele viu o caminhão de lixo em alta velocidade vindo ladeira abaixo.
   O sol firmava no horizonte brilhoso, ao olhar para ele, ela o sentiu maravilhoso, um lume grandioso da presença Divina; ao olhar para o chão, ela o sentiu revestido de Deus, e não pisava sobre ele, pois Ele o elevava; a estrada estava aberta, ela seria acompanhada por Ele. Enfim a paz.
   Pedro travava uma guerra contra o tempo na tentativa de salvar Angélica, mas sem saber como, alguma mão o prendia no chão. Ele guardaria até o fim de sua vida essa cena, e a culpa por ter, de alguma forma, matado Angélica ao chamar a sua atenção quando gritou, desesperado, o seu nome.
   - Angélica. - O grito de Pedro saiu como de despedida, pois vinha acompanhada de lágrimas.

   O sol ofuscava a visibilidade do motorista do caminhão, no seu campo de visão o único objeto visível era a árvore, tudo em volta tomava a coloração branca, uma brisa gélida tomou carona na boléia do caminhão, assustando-o. Ele não viu mais nada quando o caminhão foi de encontro à árvore, arrastando-a por alguns metros até parar na calçada da padaria.

   Virando o rosto em direção ao grito pronunciado por Pedro, Angélica não percebeu o caminhão arrastando a árvore.
   - Cuidado. - Gritou mais desesperado ainda, Pedro. A sua luta para retirar os pés do chão era agonizante.
   Angélica olhou em direção ao apontamento que Pedro fazia, com os dedos, desesperadamente, percebeu o veículo arrastando a árvore em sua direção e sorrindo disse a Pedro em voz consoladora:
   - Amor, nunca esqueça, sempre há um depois. Sempre.
   Mesmo que Angélica tentasse se erguer, os seus pés não sairiam dali, não haveria mais tempo de se salvar, além disso, ela sentia mãos, não lhe prendendo ao chão, mas a acolhendo. A sua falha na missão de trazer Pedro à Luz havia abreviado a sua vida, ela teve o livre arbítrio, havia feito a escolha, por isso, aceitava a morte, sabia que não era o fim em si e lutaria por mais uma oportunidade para tentar novamente salvar Pedro. Sempre há um depois.
   Os galhos da árvore se tornaram em grandes braços acolhedores, o tronco em um colo aconchegante, as raízes em pés ligeiros que lhe retiraria do plano físico. O seu chão estava revestido de Deus, as nuvens no céu, pinceladas de laranja pelo sol matinal, era a estrada que levaria ao colo do Pai. Seu caminho era de luz.
   Pedro conseguiu se livrar do que lhe prendia ao chão e retirando o último galho que estava em cima de Angélica implorou chorando.
   - Amor meu, não vá. Deus não a deixe ir. - Suplicou, Pedro, olhando para o céu.
   - Meu Pepito, não esqueça, sempre há um depois. - As últimas palavras de Angélica foram ditas com doçura. 
   Movido pelo ódio, Pedro exacerbou:
   - Seu desgraçado, é assim que você quer que eu creia na sua existência. Eu te odeio hoje, eu te odeio sempre e vou te odiar depois.
   O pai de Pedro que havia assistido a cena de atropelamento de Angélica, e estava em estado de choque, ficou estarrecido com as palavras pronunciadas por Pedro. Temendo pelo seu destino, pois sabia que a palavra tem poder, ele orou ao Supremo o perdão para o filho.
   Nuvens negras trazidas pelas palavras odiosas de Pedro entraram em seu coração o entrevando. Ao mesmo tempo, as orações de seu Edson foram ouvidas, cabia ao Pedro fazer as suas para alcançar o perdão.
   Após o sepultamento do corpo de Angélica, Pedro se isolou, fechando em si todos os seus sentimentos. Ao voltar para casa, ele não permitiu que seu pai se aproximasse. Em casa, ele se trancou no quarto e somente abriu a porta porque seu pai insistiu. O pai de Pedro tentava consolá-lo, mas este o repelia, e na terceira tentativa de abraçá-lo, Pedro o jogou contra a parede. Com o impacto, seu Edson gritou de dor, mesmo assim não desistiu, e o pegando de surpresa fechou seus braços sobre o seu corpo e ciciou nos seus ouvidos:
   - Filho, não se entrega a dor, tanto ela quanto a perda nos serve de aprendizado. Aprender com nossos erros pedindo perdão e perdoando é um grande passo na nossa evolução como ser humano.
   - Não consigo, pai. Está sendo difícil. Pedir perdão não arrefecerá a minha dor.
   - Dá ao tempo a oportunidade de te curar. O Altíssimo olha por ti.
   - É a você pai que tenho de pedir perdão.
   - E peça também a Deus. O perdão Dele lhe trará alívio. Eu o perdôo filho, e Ele também fará, afinal Ele é Pai, mais ainda.   
    Pedro emudeceu, não dizendo ao seu pai se pediria ou não.

CONTINUA EM 08/12/11

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9 comentários:

  1. Que perturbador, Eder...e muito bem escrito, como sempre.

    Beijos.

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  2. ...as tramas que a vida tem,
    vc as retrata aqui, e eu
    deixo beijos de encanto
    neste lindo coração!

    muahhhhhhhhhhhhhh

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  3. Myra a Anonima
    triste demais...
    bjs

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  4. Nos detalhes da narração você apresenta a realidade através desses personagens.A vida é mesmo assim,nunca sabemos se numa situação crítica,dramática como um acidente fatal,qual vai ser o nosso modo de reagir,mas uma coisa é certa e foi bem dita pelas palavras do pai do Pedro:"(...)Aprender com nossos erros pedindo perdão e perdoando é um grande passo na nossa evolução como ser humano".E,o tempo é uma grande ferramenta para isso quando a pessoa tem Fé.
    Eder,abraços e obrigada também por me levar a refletir e mesmo filosofar através dos teus contos.

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  5. Temas que devemos refletir sempre, e que não é fácil de lidar, morte, perdão. E acreditar em livre arbítrio.

    um forte abraço.

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  6. Eder, meu amigo!

    Em poucos dias viajaremos para aí... Estou sem tempo para me dedicar aos amigos como deveria. Mas depois, quando voltar... recupararei os atrasos.
    Obrigada pelo carinho imenso durante o ano - para mim, um valor inestimável. Desejo Boas Festas para você e para sua linda família.

    Beijo no coração

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  7. Mano, lágrima nos olhos. Eu achei que seria Pedro, e não Angélica, quem teria a vida ceifada tão cedo. Essa direção que o texto tomou foi uma surpresa para mim! Difícil imaginar como Pedroserá capaz de perceber Deus no meio de tanta escuridão... beijos da mana, Deia.

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  8. Eder

    estou entre o desligada do mundo e o imersa na emoção do seu conto. Que coisa emocionante, bem descrita.

    Você colocou-nos na cena com suas palavras, na cena não...dentro do coração dos personagens, traduziu-nos profundamente a emoção de cada um dos 3. Brilhante a narrativa. Genial provocar emoção assim, só (só?) com letrinhas.

    Um beijo grande, grande escritor.

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  9. Nossa vida é marcada por momentos que quando acontecem não entendemos bem a razão... Mas o passar do tempos nos faz tirar os véus da ilusão e enxergar melhor o que antes não tinhamos coragem de ver.
    Continuarei a leitura...

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