Se fôssemos retroceder no tempo para
acharmos o fio da meada que deu início a nossa vida, nos deteríamos na primeira
lembrança.
Não sei precisar a minha idade nessa época,
deveria ter entre três e quatro anos, porém, recordo muito bem a minha mãe me
levar para as suas aulas de francês e latim. Já adulto, eu lhe perguntei por
que ela me levava, então, ela me disse que sempre gostou da minha companhia e
fez disso uma constância em sua vida, sendo mais minha companheira do que eu
dela.
Ela estava lá quando consegui o meu primeiro
emprego; quando ao mudarmos de bairro me levou ao ponto de ônibus pela primeira
vez; quando perdi o meu primeiro amor, ao invés de enxugar as minhas lágrimas,
foi atrás desse amor ao meu pedido e o trouxe para eu perdê-lo em seguida e
depois ofereceu o seu colo para eu afogar as minhas tristezas; quando eu casei,
com afinco e dedicações, bordou o vestido da minha noiva, apesar da idade
avançada. Se eu fosse descrever todos os nossos momentos, a história seria
infindável, por isso, descreverei um momento significante para nós dois.
Morando em Brasília, meu pai, empresário do
ramo de panificação, faliu. Com seis bocas para alimentar, as três filhas mais
novas foram morar com familiares na Bahia, as outras duas filhas juntamente
comigo os seguiram para São Paulo. Passando necessidades, sem nunca ter
trabalhado na vida, minha mãe teve que retirar a velha máquina de costura
Singer, herança de família, do baú. Ela tinha quarenta e um anos e eu quatorze.
Foram dias e noites debruçados sobre a máquina, costurando e bordando vestidos
de noiva tendo a mim do seu lado para dar acabamento aos vestidos.
Após sacrifícios, com suas economias, ela
comprou uma máquina industrial. Máquina comprada, ela teria de se adaptar. Uma
de suas amigas prontificou de ensiná-las, e todas as tardes ela ia para sua
casa me levando a tiracolo.
Para bordar na máquina manual é necessário
pedalá-la, esticar o tecido entre dois bastidores - aros de madeira com
diâmetros diferentes, um maior do que o outro - e manejá-los em todas as
direções de acordo com o desenho para que o tecido seja preenchido pela linha
de bordar. Na máquina industrial, o tecido tem de ser esticado com as duas mãos
e movido para frente, enquanto uma alavanca é acionada com o joelho direito
para mover a agulha da direita para a esquerda e o pé esquerdo aciona o pedal
de velocidade. Nesse processo o desenho é preenchido pela linha de bordar. Noites
a fio, minha mãe tentou operar a máquina industrial sem sucesso e desistiu após
uma agulha quebrar em seu dedo. Presenciando a sua dor, eu resolvi agir e após
ela subir para o descanso eu passava a madrugada na tentativa de operar a
máquina. Não sei precisar das quais tentativas eu consegui, quando dei por mim,
eu havia bordado uma rosa com seus ramos e folhas e absorto ao meu sucesso, não
percebi que ela, abraçada a mim, chorava. E assim, durantes anos, eu a ajudava,
bordando e entregando os vestidos de noivas na Rua São Caetano, pois trabalhava
próximo a essa rua no centro velho de São Paulo. Seu atelier cresceu e outras
máquinas foram compradas. Hoje, aos setenta e seis anos, ela borda pouco,
participa de uma cooperativa de artesanato. Morando no interior e eu na
capital, falamos constantemente ao telefone e ao término das ligações eu
percebo a sua voz embargada. Não queria lhe perguntar o motivo por já saber
qual seria a sua resposta, mas fiz a pergunta. Sinto falta da sua companhia,
disse-me.
Lição: Não importa, quaisquer que sejam os relacionamentos,
se não houver uma troca mútua, não perdura.
Trilha sonora da minha vida. Essa música
minha mãe sempre cantou para mim, em todas as fases da minha vida, até hoje. Clique AQUI e ouça.
Imagem de arquivo pessoal
Bom dia Eder!
ResponderExcluirAs lembranças de uma ligação materna, eterniza o amor que á em nós.
Um abraço em sua mãe neste dia especial.
Até + Jota.
Eder, estou realmente emocionada com sua postagem, não só pela história linda e difícil com contou, como também por sua capacidade de não desistir para ajudar sua mãe. Tenho certeza que sua dedicação foi fundamental para trazer alegria para sua mãe. E sobretudo, resumiu perfeitamente a postagem com a lição final. Qualquer relacionamento, sem trocas mútuas, sucumbe. Parabéns, adorei mesmo. Um abraço, e mande um para a guerreira que é sua mãe.
ResponderExcluirmeu querido que maravilhosa MAE!!!! amei o texto...beijos
ResponderExcluirEder, fiquei comovida com o teu relato. uma vida difícil, mas com o amor da tua mãe te acompanhando em todos os momentos. Parabéns pela mãe maravilhosa e dedicada que tens, e por seres um filho tão amoroso e grato. beijos
ResponderExcluirOlá, Éder
ResponderExcluirLinda a música da sua mãezinha!!!
Post muito terno...
Abraçoa fraternos de paz
Oi Eder...é dessa forma que conseguimos permanecer, dia a dia, no coração das pessoas...convivencia...é como se bordássemos fios invisiveis de sentimento na vida das pessoas e vice-versa...
ResponderExcluirE a vida segue, a gente vai cerzindo...alinhavando...remendando...costurando...
Quando vemos a colcha da vida tá quase pronta, mas na verdade ela nunca termina...fica sempre por acabar...rs
Um abraço na alma...bom fim de semana
Oi, Eder. Relacionar-se é doar-se. Se isso não existe, o relacionamento acaba.
ResponderExcluirTenha um abençoado fim-de-semana. Bjs
Eder,
ResponderExcluirSeu texto me emocionou às lágrimas. Que filho maravilhoso sua mãe teve! Que mãe maravilhosa você teve! O mundo seria um paraíso se os filhos e as mães fossem como vocês dois.
Que linda ela!
Beijos
Caro amigo.
ResponderExcluirPara os pais,
os filhos nunca crescem,
mas como diz o grande
educador Rubem Alves,
Os pais estão condenados a solidão...
Que os sonhos te acompanhem sempre.
Eder,
ResponderExcluirPassando rapidamente pelo blogspot nesse período em que tenho visitas especiais em casa,e vindo aqui não poderia encontrar algo mais especial que essa tua crônica sobre a família.
Tudo há uma razão de ser e tua homenagem a mim traz mais que uma simples leitura,serve como lição.Obrigada!
Lí junto à minha mãe e choramos juntas.Belíssimo!
ResponderExcluirTuas lembranças postas em palavras, na verdade, é uma linda paisagem onde você e sua genitora pintaram com as verdadeiras cores do coração.
ResponderExcluirMagnífico!
Um abraço, Eder!