Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

domingo, 6 de maio de 2012

Rejeição


        Parte Final

   Ao colocar os pés na sala, percebi que os meus passos não seriam os mesmos por eu, também, não ser mais o mesmo. Foi aí que percebi que tudo era falso, aquela casa, melhor dizendo, aquele lar foi a maneira de me esconder, de não enfrentar a minha condição homossexual, de aceitar a condição heterossexual que a minha família queria para mim, que a sociedade, consciente ou inconsciente, exigia de mim.
   O seu abraço mudara de significado, o seu beijo não tinha mais o mesmo apelo, a voz, antes melíflua, agora se tornou acre e irritante. Tudo se tornou rotineiro, a sua disposição de desfazer o nó da gravata enquanto me falava do último livro do Paulo Coelho e dos ensinamentos que aprendera; de me assistir tomando banho enquanto comia a fruta da época dizendo dos benefícios que ela fazia ao assistir a reportagem no programa Fantástico, da Rede Globo; de se colocar na mesa com um sorriso outrora cativante e, no entanto, agora, me parecendo de desespero; da sua disposição de fazer tudo que eu peço, como me servir o uísque sem gelo, enquanto discutíamos sobre o último filme de Wood Allen. Foi aí que a ficha caiu, tanto para mim, quanto para ela, pois caía no lugar comum. Já não mais concordava com o que ela pensava ou dizia e comecei a tecer críticas sobre todos os livros do Paulo Coelho, dizendo que a leitura, tal qual o nó da gravata, somente nos sufocava sem nos trazer nenhum benefício; do fato de se deixar levar pelas reportagens do Fantástico seguindo o modismo para esquecê-lo na semana seguinte até que outra reportagem fosse apresentada; critiquei todos os filmes assistidos por ela, gostando ou não, principalmente os de Woody Allen, lhe dizendo que eram enfadonhos e lentos, não passavam de dramas familiares, comum a todas as pessoas, e não precisávamos ir ao cinema para sabermos disso, se assistíamos era para parecermos cultos.
   Como sempre fazia, ela achava que as nossas discussões poderiam ser esquecidas na cama após uma noite de sexo, interpretando papéis que não condizia a nossa psique, porém, ela dizia, estamos representando um papel, seja mais Michael Douglas que eu serei a sua Sharon Stone e faremos dessa noite uma atração fatal, tal qual no filme. O que ela não percebia era que eu preferiria continuar no dilema a La Woody Allen, apesar de saber que não levaria a lugar nenhum. Após várias tentativas sexuais cinematográficas frustradas, enfadado, levantei da cama e fui para a varanda fumar o meu cigarro. Ela, nua, acompanhou-me e me abraçou por trás massageando os meus mamilos apertando o seu sexo nas minhas nádegas. Estático, continuei fumando o meu cigarro, contudo, ela queria ação. Não demorou muito para ela descer as mãos à procura do meu sexo. Não achou. Ela perdeu toda a sua classe, toda a sua misancene. Vi-me num dramalhão novelesco mexicano. Quando ela terminou com os gritos e os tapas, não havia mais espaço para mim.  Saí de cena e voltei para casa dos meus pais.
   Gay? Meu filho é gay. Meu Deus, o que minhas amigas vão dizer agora, gay! Como elas me olharão agora. Gay, não acredito. Meu Deus, onde foi que eu errei. Filho, isso não é verdade. Gay?
   Esperei minha mãe terminar de falar, pois se eu a interrompesse, ela diria a palavra gay mais quinze vezes para se convencer que era verdade e estenderia a conversa para me convencer do contrário. Quando terminou, abraçou-me chorosa e como sentenciasse o que viria a me acontecer, disse-me, você vai sofrer tanto. Fomos abraçados até a sala, as minhas malas estavam prontas próximas ao sofá. O meu pai, no pé da escada, se encaminhou à porta e a abriu. Algumas gotas de chuva ainda caíam do céu, minha mãe intentou pegar um guarda-chuva e eu não permiti apertando as suas mãos, ela entendeu o meu gesto como um pedido de socorro. Impotente, ela não conseguiria demover meu pai de sua decisão, então, encostou a sua cabeça em meu ombro e ciciou, perdoa-me. Não sei dizer se aquele pedido de perdão era por não ter forças de lutar contra o meu pai e interceder ao meu favor demovendo-o da ideia de me expulsar de casa, ou, então, por não saber lutar contra o seu preconceito, pois ainda não aceitava a minha condição sexual.
   Meu pai a arrancou de mim e sem demonstrar nenhum sentimento, a não ser repulsão, disse-me que não ia me proibir de visitá-la, desde que não fosse no horário que ele estivesse em casa. Ele subiu as escadas arrastando minha mãe e quando estava no penúltimo degrau o chamei. Reteve-se sem olhar para trás esperando que eu falasse.
   Houve dois momentos da minha vida que você me agrediu, um foi ainda criança quando me colocou de castigo ajoelhado sobre caroços de milho, açoitando as minhas costas com o seu cinto e dizendo que suas mãos eram guiadas por Deus, pois só assim eu voltaria para o caminho certo. Que caminho é esse pai, onde a rejeição e o ódio imperam, onde a condição, seja ela social, de cor e de sexo é primordial para se amar o próximo? Pai, você não entende que pouco importa o caminho, mas sim, o amor que você planta na caminhada, pois nenhum caminho será o certo se houver qualquer tipo de rejeição.
   Espere, ainda não terminei. A outra agressão você fez agora ao me expulsar de casa. Quero que você saiba que a paternidade não é uma condição, mas um dom divino, e somente aqueles que conhecem, sabe o verdadeiro significado da palavra amor. Não compreendo a tua recusa em me querer como filho, mas quero que você saiba que ainda lhe tenho como pai, sabe por que, você soube me ensinar a amar, levarei e guardarei comigo esse momentos de amor que passamos juntos até aqui. Apesar de você não pedir perdão pelo que está fazendo, eu lhe perdoou. Amo vocês.
   Ao sair de casa, o arco-íris pincelava o céu com suas cores forte. Eu vi nele o sorriso de Deus. 

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6 comentários:

  1. Confirmando o que foi dito no post anterior.Eis aqui o resultado da ruptura das aparências em que vivem tantas famílias.
    É preciso coragem para assumir e reconhecer quem realmente somos.Há quem diga que estamos numa era de liberdade,mas não vejo assim pois conheço pessoas que por razões familiares não conseguem revelar a própria identidade sexual e com isso vivem um sofrimento ainda maior,não conseguindo ser felizes.
    Abraço amigo e até breve!!!

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  2. um lindo final, mas infelizmente retrata fielmente uma realidade cheia de preconceitos que só trazem sofrimentos para todos...
    Beijos

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  3. nada de preconceitos!!!!!!
    è muito pior os pais nao aceitarem como é o filho! amor è amor sempre!!!

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  4. Um conto, muitas verdades, digo verdades porque elas acontecem em várias famílias e com várias pessoas, sobre a sexualidade, sobre a ideia de religião, sobre educação, família, colégios...preconceitos, exclusão...

    abraço

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  5. Eder, meu caro, embora eu não participe da condição homossexual do seu conto, me emocionei com o final do texto. A sociedade é cercada de impedimentos e preconceitos. As pessoas não estão preocupadas com a felicidade humana, e sim com as aparências. Essa é a famosa hipocrisia que tem me irritado tanto. De que adianta se estar com alguém se o relacionamento passou a ser uma conversa sem grandes pretensões entre duas pessoas que já não se preocupam com a felicidade uma da outra? Para agradar à postura inflexível e cruel da sociedade? O personagem merece sorrir muito ainda na vida, não só porque assumiu a condição que o fará verdadeiramente feliz, como também devolveu com amor a rejeição que lhe foi dada. Adorei, mesmo, um abraço!

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  6. Oi Eder,

    uma história já vivida por tantos, infelizmente.

    O final foi lindo, a última frase enche de esperança!

    Beijos

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