Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Papagaiando entre búfalos

É sabido que em época de copa do mundo os brasileiros tornam o verde mais verde, o azul mais azul, o amarelo mais amarelo e o branco, na possibilidade de ser por ser branco, mais branco. E vestem estas cores com tanto entusiasmo que os vemos passarinhando pelas ruas talmente papagaios. Porém, em dia de jogo do Brasil se assemelham a uma manada de búfalos caçando ou sendo caçado, ou seja, atropelam o quem veem pela frente para assistirem vinte e dois marmanjos correrem atrás de uma bola para enviarem na meta um do outro. A ordem e o progresso, nessa hora, tanto quanto a educação, não é meta. Por isso este blog se veste de brasileiro, tentando ser mais papagaio e menos búfalo.
Não sei quem cunhou a frase: São Paulo não para; provavelmente, quando a fez não tinha carro, ou então o crédito para ter um não era tão fácil como é hoje, onde se compra um talmente móveis nas Casas Bahia, em suaves prestações a perder de vista. Por isso não me arrisco a sair de carro, em São Paulo, em dias úteis, posto que eu fique parado, apesar de que todos os dias parecem ser dia útil em São Paulo, ou seja, a cidade não para.
De volta do meu trabalho para a minha casa às treze horas, chegando à estação do trem, eu me senti como Cabral ao achar o Brasil em 1500, pois os papagaios pululavam vindos de todas as direções. Porém, bastou o trem chegar, abri as portas para eles se transformarem em búfalos. Os guardas ferroviários, que tem como função dar segurança aos passageiros, vêem-se obrigado a empurrá-los para dentro do trem – em detrimento a duas mulheres que foram impossibilitadas de descerem – para que as portas do mesmo fossem fechadas. Esperei o trem seguinte, pois como nordestino cabra da peste, macho da moléstia, mesmo antes de minha mãe saber o gênero da cria que vinha, muito mais ao ter nascido, e mais ainda e para sempre quando morrer, posto que eu não admito ser enterrado, mas cremado, para não ouvir nenhum engraçadinho dizer que jogou terra no meu buraco, jamais permitirei ser empurrado, mormente se é por trás.
Sou o primeiro passageiro no ponto de ônibus, e, como de hábito, permito uma senhora de idade, uma grávida e outra com uma criança de colo entrarem na minha frente, uma pessoa atrás de mim resmunga por eu ter permitido, alegando que não era horário apropriado para as mesmas estarem na rua. Às vezes, quando sou atacado pela ignorância, eu me calo para não me assemelhar a ela. Olho para trás e vejo atrás de mim um búfalo bufando travestido de papagaio. Isso é bem brasileiro.
Por fim chego em casa dez minutos passados do primeiro tempo do jogo do Brasil contra a Coreia do Norte. Sou recebido por beijos e abraços dos meus filhos, convidando-me a sentar no sofá e assistir o jogo. Preferindo assisti-los ao jogo, fico apreensivo ao ver minha filha roer as unhas devido ao resultado do placar do jogo até aquele momento ser de 0x0. A apreensão logo esfuma ao ver arvorar nela o entusiasmo quando o Brasil faz o primeiro gol, eu permaneci impassível no sofá, assistindo-os como se o jogo nada dissesse a mim. Até me perguntei o porquê de tanta imparcialidade diante do jogo. O entusiasmo somente me veio no segundo gol ao vê-la dando pulos e urros de alegria juntamente com o irmão. Talvez o meu desentusiasmo e entusiasmo dela sejam porque ela tem nove anos e eu cinco vezes mais; ou, plausivelmente, o entusiasmo me arvora quando os vejo felizes não importando qual o motivo.
Quando a esposa chegou a vitória do Brasil era tão certa quanto a alegria das crianças; e movido por esta alegria, eu me vi no ano de 1970, a transmissão televisiva chegava a minha cidade, e como éramos uma das poucas famílias que possuía um aparelho de televisão, eu cobrei cinquenta centavos de entrada para alguns garotos assistirem os jogos, sem o conhecimento dos meus pais, pois eles me ensinaram, muito mais em atitudes do que em palavras, a ser demasiadamente humano, ou seja, justo e bem-educado tanto em família, quanto em qualquer lugar, mesmo se neste lugar eu me sinta entre búfalos.
Eu sou trazido de volta pelo beijo da esposa e pelo pulo das crianças sobre nós, alegres em demasia pela vitória do Brasil.
Eu me nutro desta alegria e entusiasmo, diga-se de passagem, bem brasileiro, sabendo que amanhã será mais um dia de vaqueiro, vestirei minha alma de verde, amarelo, azul e branco pra papagaiar entre búfalos a boa educação e a justiça.

15 comentários:

  1. Eder, brilhante! Búfalos travestidos de papagaios? Vou dormir pensando nessa imagem! Fico feliz que você se entusiasmou pela alegria de seus filhos - mesmo que o jogo não tenha tido lá grandes emoções!
    Quanto a ser cremado para não ouvir de jogaram terra no seu buraco: você estará no céu, homem de Deus, não vai ouvir é mais nada! rsrsrs.
    Precisava ser nordestino mesmo, como meu adorado avô - excelente homem de respeito e valores, saído de Pernambuco para aportar no Rio de Janeiro.
    Estou para conhecer outro homem como ele (mas acho que encontrei um "discípulo" a altura! Parabéns a sua família!)
    Um grande e fraternal abraço, meu querido amigo,
    Deia.

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  2. Acho que sou uma papagaia de sua estirpe...rs.
    Adorei sua crônica, meu marido esta aqui perguntando por que rio tanto.
    beijos

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  3. Parabéns Éder pelo seu belo texto. Que a boa educação e a justiça sejam anunciadas por belos e festeiros papagaios, para que os búfalos se tornem mansos. Esperança de brasileiro...boa noite a vocês :)

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  4. Belo texto! Infelizmente há búfalos de mais espalhados por este mundo. E infelizmente o gosto por muitas coisas é exacerbado em detrimento de coisas realmente importantes.

    Beijinhos doces, Ava.

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  5. Vamos todos juntos, pra frente Brasil. Salve a seleção!
    Abraços.

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  6. Se voce gostou tanto do meu post sobre o Baryshnikov (no Blog da Angela). De uma passadinha pelas minhas "Tertúlias"... Pessoas inteligentes sao sempre mais que bem-vindas!!!!

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  7. Meu amigo Eder...
    O teu texto está simplesmente sensacional, fantástico, maravilhoso, verdade verdadeiríssima, bom, bom, bom demais da conta...
    Deixo beijos, flores e muitos sorrisos de pura admiração... brasileira, papagaia, educada e nada búfala! hehehehehe...

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  8. Ah! que pena! Achei que meu comentário tivesse entrado ontem... Não faz mal! Simplesmente achei o texto muito bem humorado, achei sutil a ideia de búfalos vestidos de papagaios, e fiz uma uma comparação entre meu avô (pernambucano) e você - disse que ambos tem caráter e ética, coisa de nordestino. Terminei dizendo que sua família deve ter muito orgulho de você. Espero que esse comentário chegue até você. O que será que fiz errado ontem? Deixa prá lá! Sua amiga, Deia.

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  9. Passei para ler e desejar um excelente final de semana,
    Boas energias,
    Mari

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  10. Gostei do "Tino" de nordestino! Acho que é isso mesmo. Essa cidade vai nos moldando aos seus gostos, mas, no final, se aprendermos a dosar, temos o melhor dos dois mundos: aquilo que trazemos de herança e o que essa cidade nos ensinou - comigo, ao menos, tem sido assim! São 11 anos - e você? Um beijo na família linda (Sua mulher é muito bonita, reparei na foto de vocês dois abraçados!), Deia.

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  11. Hoje é dia de agradecer... Por isso estamos aqui!
    Sua participação tornou o nosso 1º Concurso Literário muito especial.
    Dia 25 divulgaremos o resultado. Em nosso coração todos são vitoriosos.
    Obrigada de coração e saiba que contamos sempre com a sua presença e participação em nosso Espaço Aberto!
    Um abraço carinhoso na alma...

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  12. Ei Éder... Filhos são a nossa riqueza. Adoro poder estar junto aos meus dois anjos que são as maiores dádivas que eu tenho nessa vida.
    Quanto ao jogo, estou como você, a alegria deles que é a minha.

    Vim apreciar e deixar meu abraço carinhoso e um beijo amigo

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  13. Oi Eder...não me considero um bufalo e nem um papagaio..rsrs..talvez eu esteja no meio disso ai...uma arara talvez...ou mais um pouco, sei lá...
    Não ligo muito para futebol, apenas quando é a seleção, mas nada demias, apenas torço, visto a camisa e me alegro com a alegria...
    minhas filhas torcem também...em 1970 eu não entendia muito, mas ficou na minha lembrança imagens da Copa de 70....Félix, rivelino, Tostão e Pelé...e ainda opapel celofane ou sei lá uqal era o nome para que a televisão ganhasse alguma cor...rsrs
    Um abraço na alma...currupaco...rs

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  14. Por vezes o amarelo de nossas camisas parecem sangrar de tão sofridas e maltratadas. Panis et circenses. O futebol existe para isso e outras coisas mais. O melhor de tudo é ver o sorriso nascido numa meninice assim, boa de alma. Que continuem assim e que nos encha de cor o futuro.


    Abraço brasileiro, Eder.
    Sigamos...

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  15. Olá, desculpe invadir seu espaço assim sem avisar. Meu nome é Fabrício e cheguei até vc através do Blog Universo Íntimo. Bom, tanta ousadia minha é para convidar vc pra seguir meu blog Narroterapia. Sabe como é, né? Quem escreve precisa de outro alguém do outro lado. Além disso, sinceramente gostei do seu comentário e do comentário de outras pessoas. Estou me aprimorando, e com os comentários sinceros posso me nortear melhor. Divulgar não é tb nenhuma heresia, haja vista que no meio literário isso faz diferença na distribuição de um livro. Muitos autores divulgam seu trabalho até na televisão. Escrever é possível, divulgar é preciso! (rs) Dei uma linda no seu texto, vou continuar passando por aqui...rs



    Narroterapia:

    Uma terapia pra quem gosta de escrever. Assim é a narroterapia. São narrativas de fatos e sentimentos. Palavras sem nome, tímidas, nunca saíram de dentro, sempre morreram na garganta. Palavras com almas de puta que pelo menos enrubescem como as prostitutas de Doistoéviski, certamente um alívio para o pensamento, o mais arisco dos animais.


    Espero que vc aceite meu convite e siga meu blog, será um prazer ver seu rosto ali.


    Abraços

    http://narroterapia.blogspot.com/

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