Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sábado, 12 de junho de 2010

Meu jeito de dizer que te amo


   Criado entre mulheres, eu sempre tive meu pai como referência. Na infância foi maravilhoso, pois todo pai é um herói para o filho. Na adolescência foi o meu inferno, pois de herói, o pai passou a ser o bandido, e num processo de afirmação, passei a ir de encontro a tudo que ele acreditava, a tudo que ele era. Sem saber, eu me sentia sozinho; quando fui perceber, eu já era “balzaquiano”, tinha passado dos trinta, solteiro e solitário.
   Com todas as irmãs casando, a casa foi ficando vazia, eu mais ainda. Vindo de relações frustradas com mulheres casadas, eu prometi a mim mesmo que não casaria, muito menos, amaria.
   Em 1996 o sistema público de transporte na cidade de São Paulo estava um caos, principalmente nas áreas periféricas. Os clandestinos, como eram chamados os perueiros, tomavam conta de ruas e avenidas, transportando as pessoas, devido à incapacidade da prefeitura de administrar o transporte público. Quem era transportado no banco traseiro destas peruas (assim era denominado os automóveis Kombi), para descer, tinha que esperar a pessoa à frente descer, inclinar o encosto do banco, e depois o próprio banco, dando passagem a quem quisesse desembarcar. Ser transportado assim causava medo às pessoas, pois os clandestinos eram perseguidos pelos fiscais da prefeitura, às vezes acompanhados por policiais. Muitos perderam a vida. Quem, em sã consciência, poderia imaginar que no meio deste caos o amor haveria de nascer. Mas até no chão mais árido pode brotar a mais bela das flores.
   Quando eu a vi pela primeira vez, ela estava plantada no ponto de ônibus, esperando a perua, toda encolhida, sentindo frio apesar de estarmos em setembro. Ainda acompanhado dos meus preceitos, a vi, mas não lhe dei atenção. Estava cumprindo a minha promessa de não mais amar. Porém, até no coração mais árido pode brotar o mais belo dos amores quando é polinizado pela mais bela das flores. Ano mais tarde eu viria a saber que ela havia prestado atenção em mim, mas como sempre me via lendo, ela me tomou como homem casado.
   Houve o tempo de regar o meu coração árido para umedecê-lo. Bastou uma semana para eu vê-la e mais outra para enxergá-la. Quando eu a olhei na terceira semana, eu não intentei o físico. As minhas relações anteriores foram todas vistas com os olhos pra o corpóreo, e as frustrações decorridas destes relacionamentos me fechou para o amor, pois ao olhar desta maneira, eu não soube enxergar. Quem olha e não enxerga, não consegue sentir. Então eu a olhei além do físico, onde o amor realmente habita, na alma.
   Na sua magnificência, deus a fez do melhor barro, moldurando o seu corpo simetricamente, dando-lhe uma beleza exótica; porém, em sua sabedoria, ele lhe soprou o que mais belo há nela, a alma. Neste dia ela nasceu para mim, com corpo de mulher e jeito de menina, uma alegria exuberante, difícil de ser encontrada, mormente se passou por intempéries. E não era a alegria dos tolos, mas a de quem sabe levar a vida com leveza. E ela soube me levar.
   Quando entrou na perua, ela sentou atrás do banco inclinável, e eu do seu lado. Próximo ao ponto final havia somente eu e ela de passageiros. O motorista freou a perua jogando-a sobre o banco inclinável, deixando-a em uma posição incômoda. Pensei que ia ouvir impropérios e reclamações. Ela saiu incólume, entre risos soltos. Persegui-a com os olhos até sumir da minha vista, sempre sorrindo. Anos mais tarde nosso terceiro filho seria agraciado com esse mesmo sorriso, essa mesma alegria.
   Ela havia sumido por uma semana, eu tinha perdido a esperança de voltar a vê-la. Neste ínterim, um primo que afogava as suas mágoas debruçado em cima de latas de cervejas, chamou-me para afogar as minhas. A natureza foi prodígio comigo, dotando-me com um organismo imune as bebidas. Passados sessenta minutos, o meu primo havia bebido seis latas de cervejas, e eu estava na primeira, ainda cheia, quando, repentinamente, eu a vi do outro lado da rua. Até hoje o meu primo me espera no mesmo bar, na mesma mesa, debruçado sobre latas de cervejas; pois saí dali avoado para nunca mais voltar.
   Afoito, eu fui ao encontro dela e lhe fiz tantas perguntas sem perceber que havia deitado uma bíblia em seus ouvidos. Chegada de Santana do Parnaíba sem resolver os seus problemas com a justiça eleitoral, ela me pediu a ajuda para justificar o seu voto; estávamos no dia 14 de novembro de 1996, aproximadamente às 22h00min. - Trezentos e trinta seis dias depois nossos nomes seriam entrelaçados em duas alianças de ouro; entesouraríamos. - Um dia depois, aos quinze dias de novembro de mil novecentos e noventa seis, eu senti o gosto do barro de deus em seus lábios, após beijá-la. Eflúvios seráficos exalavam dela. Neste dia eu havia renascido para o amor, para a vida. Anos mais tarde esta mesma sensação de renascimento eu tive com o nascimento de nossa filha.
   Um ano depois deste dia nos noivamos, e passado mais um ano nos casamos. Anos mais tarde percebi que a unicidade do casal somente se dá se a soma de um mais um tiver o intuito de multiplicar, cujo resultado maior é a família, indissolúvel.
   Nestes treze anos, seis meses e vinte oito dias, minha flor de Liz, minha neguinha, eu lhe disse que te amo de vários jeitos; porém, sempre há um jeito novo de dizer. Portanto este relato com intenção de crônica, ou de romance, ora de novela, ora de conto de fada, quiçá uma intenção de vida perpetua, ainda não seja o meu jeito de dizer que te amo.
   Croac, croac, croac! Esse sim é o meu jeito de dizer-lhe eu te amo, na minha língua. Como, você deve estar se perguntando. Lembra-se que eu espero você dormir? Saiba que faço isso para poder voltar ao meu estado natural, de sapo, sem você perceber. Você, também, deve se lembrar que eu sou o primeiro a acordar; saiba que faço isso para poder beijar-lhe assim que você abre os olhos, e voltar a ser o seu príncipe encantado. Se por algum momento, acordado, fui símile a um sapo, saiba que sempre intentei a similitude de um príncipe para lhe dar uma vida de conto de fada, amando-lhe para sempre, pois este é o meu melhor jeito de viver, ao seu lado.
   Eu te amo, ou seja, croac, croac, croac!
  
  
    

23 comentários:

  1. Caramba, que história linda!!!!!Jeito maravilhoso de dizer TE AMO, parabéns a vc e sua esposa por um amor tão lindo.

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  2. Meu amigo,

    que palavras lindas e emocionantes! Um texto muito bem escrito,
    vamos do princípio ao fim como que flutuando em suas palavras,

    "Quem olha e não enxerga, não consegue sentir. Então eu a olhei além do físico, onde o amor realmente habita, na alma."

    Explêndido. Você achou o mapa da mina e por aí foi trilhando,
    abençoados olhos que viu muito além do físico, e avistou uma linda alma,

    Aplausos para vc e essa inspiração contagiante!

    Abraço,
    Ester.

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  3. Olá, também passo para deixar pra vc o meu mais nobre sentimento: o AMOR
    Tudo de bom hoje e sempre.
    É muito bom participar deste concurso literário com vc.
    Abraços

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  4. Eder,

    Vc disse "eu te amo" com sua vida.
    E eu me emocionei.
    Que esse amor seja eterno.

    Beijo imenso!

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  5. Que história fantástica, meu amigo!
    Aliás, aprendo a admirar-te cada dia mais.
    Li tua entrevista no Espaço Aberto e fiquei fascinada... agora fascino-me ainda mais com esta tua linda participação neste 1o concurso literário sobre o tema "Amor"... lindo, lindo!
    Depois de um nariz quebrado, de uma maratona de gripe coletiva somente hoje estou de volta aos meus passeios blogosféricos e vim ver-te justo hoje, que é um dia tão lindo!
    Valeu a pena!
    Beijos, flores e muitos sorrisos!

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  6. Éder...

    O encanto de amar está nas coisas mais simples... Sua história de amor é de fazer acreditar em conto de fadas...

    Lindo, lindo!
    Croac, croac!

    Parabéns aos dois!!!

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  7. Linda Eder. Muito linda sua crônica. Amei sua história.
    beijos

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  8. Éder...o destino foi amigo, foi sábio, foi cumplice, foi mágico, foi na verdade dadivoso com vocês...gostei do que li e do que ainda espero ler futuramente...que o amor perpetue na relação de vocês, que a carruagem continue carruagem, que o principe continue principe, fazndo croac, croac da forma mais humana que a sua linda humanidade possa te permitir...
    Um abraço na alma...um beoijo no coração amigo...feliz dia dos namorados pra vocês....sempreeeeeeeeeeeee

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  9. Parabéns Éder e sua princesa amada. Que Deus abençõe vocês e seus filhos. Pois este, com certeza, será sempre o seu Porto Seguro, amigo!! Um feliz dia dos namorados, um bom final de semana, beijos ;)

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  10. Agradecemos a sua participação em nosso 1º Concurso Literário!
    Sua postagem já está concorrendo! Desejamos boa sorte!
    Um abraço carinhoso

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  11. Parabéns Eder. Intenso seu relato. Que o amor de vcs continue e renova-se.
    Legal sua participação.

    Forte abraço,

    Bom domingo.

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  12. Amigo Eder;

    Maravilhoso conto real!...

    Hoje não comento o texto, apenas direi que está brilhante, mas lhe desejo a você e à sua esposa toda uma imensa vida de croac-croac-croac e muito mais croac...

    De uma amigo que sabe o que é sentir o croac há quarenta anos e que certamente será até ao fim dos tempos de um amor que nasceu e se realizou no Rio de Janeiro abençoado pelo Cristo do Corcovado.

    Um abraço, caro Eder e um beijinho de respeito para a sua esposa.
    da Ana e Osvaldo

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  13. Éder... Depois de ler o seu texto/ declaração de amor e guardar na memória cada uma de suas palavras, destaco essas que levarei para sempre em meu coração:

    "Quem olha e não enxerga, não consegue sentir. Então eu a olhei além do físico, onde o amor realmente habita, na alma."

    Peço que Deus abençõe sempre esse amor e que proteja sempre o coração de vocês!

    Sua participação ficou emocionante.

    Só tenho a agradecer por esse momento!

    Beijos com muito carinho para você, a sua amada e filhos

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  14. Você tem "brincado" de escrever o belo.
    Grande abraço, menino.

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  15. Um amor lindo, Éder.
    Amor com devoção, reconhecimento, cumplicidade, adoração.
    Linda a história do amor de vcs, contada com perfeição.
    Achei perfeita!

    Obrigado por estar conosco mais uma vez!

    Abraços!

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  16. Parabéns,pela participação gosteimuito,
    Boas energias
    Mari

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  17. Um arraso de tão legal,Eder!Que coisamais linda!Adorei! Que possas dizer sempre muitos croacs, croacs...Valeu!abração e felicidades pra vocês!chica

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  18. Que honra vc ter gostado do meu texto, fico feliz, pois vc expressou brilhantemente a forma de dizer que te amo, que vc é sua "neguinha", com perdão e como vc disse no seu texto, sejam assim amigos e amantes por toda a vida, beijo no coração de vocês, fiquem bem e com Deus, e que Deus continue a abençoar esse amor.


    Rosana Morena!

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  19. Éder, dizer que estou chorando é pouco! Estou completamente encantada com a linda história de amor que você teve o privilégio de ser convidado a ser o protagonista. E, como não me espanta nem um pouco, a forma que você usou para contá-la é digna de roteiro de filme de romance! Daqueles que a gente suspira no escurinho do cinema e, quando termina a sessão, precisa ficar uns minutinhos a mais sentada para tirar o inchaço dos olhos! Um grande beijo, meu amigo querido, que o dia de ontem tenha sido mais um lindo dia na vida de vocês!
    Eu volto amanha para ler aquela postagem da qual você me falou - estou curiosíssima para ler seu primeiro poema no Gotas de prosias!
    Deia

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  20. Que história de amor linda!
    O amor é o fogo que aquece a alma.
    Tenha uma semana iluminada.
    Com carinho, Lady.

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  21. Depois de um belo e emocionante texto como este, perdi as minhas palavras e deixei me voar ao sabor das suas...

    Beijinhos doces, Ava.

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  22. Mas quanta doçura nesse seu jeito de dizer que ama...emocionante demais.

    Parabéns por sua participação.

    Receba meu carinho.

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  23. Olá Éder,

    Sei bem o que é querer embrutecer o coração e não mais amar... morrer em vida.
    Felizmente também encontrei alguém que me fez renascer das cinzas.
    Linda história. Que Deus os abençoe sempre.

    Forte abraço,

    Johnny

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