Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sábado, 1 de junho de 2013

Dias felizes

A felicidade pode vir de várias maneiras e por diversas vias, e ela nunca vem por completo se somente atingir a si e não atingir a quem lhe cerca. São dias assim que as cores com todas as suas matizes descortinam entre o céu e a terra a aquarela da vida; que na profundeza dos rios e dos mares os peixes enamorados, entoam canções que se ouvem ao estourar das borbulhas na superfície; que a brisa balouça as flores impregnando o ar com seus perfumes; que zéfiros derrubam sobre o chão tapete de folhas. São dias assim que a felicidade pode vir.


Foi em um dia como este, dia de verão maquilado de primavera, que Pandora recebeu a notícia de que seu pai receberia um dos seus rins. Ela trazia dentro de si a esperança. Se Deus abriu as portas do Paraíso para receber seu pai, poderia trancá-las, pois ela o salvaria. Com este pensamento em mente Pandora não sabia que as portas do Paraíso nunca fecham. Mormente, ela não sabia que assim que o homem abriu as portas do Paraíso e pôs o pé nesta caixa que é o mundo o mal vicejou. Todavia ela sabia, por ser verão, que de uma hora para outra a chuva poderia desmanchar a maquilagem primaveril. A chuva veio com ventos fortes derrubando tudo que se encontrasse pela frente, trouxe com ela o medo.

O medo que pode nos levar a salvação, pode nos levar também a perdição. Pandora correu a esmo, desesperada. Se fosse um dia de sol, ela não teria corrido em direção aquele beco, mas o medo de ser morta pela enxurrada era maior do que o de se ver encurralada em um beco escuro. Quando as opções de escolhas são mínimas, somos empurrados para destinos incertos. Hoje Pandora iria perceber que Deus nunca fecha as portas do Paraíso.

O mal, com todos os seus braços, rasgou o vestido de Pandora deixando-a nua dos pés a cabeça. Assustada ela se encolheu, mas quando o mal nos toca não há meio de defesa, senão usar as mesmas armas, e essas armas, além de não as conhecer, se as conhecessem, Pandora não as usaria. A nudez agora era completa, ele a desvestiu de suas peças íntimas. As lágrimas desciam-lhe quentes pelo rosto, o terror subia-lhe pelas pernas, acariciava-lhe as coxas e, brutalmente, adentrava-lhe pelo ventre cuspindo-lhe uma gosma quente, a semínula do mal. Pandora só pensava em sair viva dali para doar seu rim e salvar a vida do seu pai. Os pensamentos lhe fugiam, o oxigênio não chegava suficientemente aos pulmões, as mãos do mal postas no seu pescoço trancavam as possibilidades de sobrevivência.

A fraqueza lhe vinha às pernas, o rosto choroso sem nenhuma lágrima a derramar. Neste estado, a assistente social do hospital se via na obrigação de contar a Perséfone que sua filha havia sido violada, assassinada brutalmente. O pior, se houver coisa pior do quê a morte de quem se ama, era que sem o rim dela, ele, provavelmente, morreria na fila de espera de transplante, se morto ele não se sentirá quando souber que morta ela está.

Perséfone sempre teve a felicidade estampada no rosto, se houve um momento na vida, sem exagero, que ele chorou, foi quando nasceu, não que a vida lhe seria penosa, pois de uma forma ou de outra ela é, porém por que os seus pulmões necessitavam expandir para receber o sopro divino. E hoje ele chorou pela segunda e última vez.

A dor, com seus sinônimos e significados, motivo de todos os males, quando põe suas garras sobre nós, impondo todo o peso do sofrimento, faz com que nossas lamúrias sejam dirigidas aos céus, culpando Deus pelas nossas mazelas. Perséfone não precisou ir ao inferno que existe em cada um de nós para conhecer a benevolência divina, pois ele sabia que as mazelas humanas eram por culpa e obra do homem, afinal semeamos o que plantamos. Por conseguinte ele não se queixava, apenas derramava as lágrimas da dor. Dormiu e dormiria por uma eternidade se fosse preciso para aliviar a dor. A assistente social velara seu choro, agora velará seu sono.

Muitos pensam que somente nos bailes de carnaval as mascaras são postas no rosto, às vezes, quanto não, muitas vezes, no decorrer da vida as colocamos tantas que nem sabemos quem somos, ou, então, as colocamos no dia-a-dia que as personagens que estamos representando nos é desconhecidas. Mas há, salvo engano, aqueles que representam uma personagem, achamos que há neles um único “eu”, porém percebemos, tardiamente, que têm uma única mascara, e ela é interna. E quando a revela tomamos conhecimento da monstruosidade que é ser-se.

Assim que trocou de turno, substituindo seu colega de trabalho, Prometeu foi direto à garrafa térmica de café. “Além de frio, amargo”. Soltou alguns impropérios para o colega que havia saído, deu uma olhadela nos monitores de televisão, percebeu que todas as câmaras estavam funcionando, as imagens eram límpidas, todos os compartimentos na mais perfeita calma. Ele foi à cozinha, colocou quatro colheres de sopa de café no coador, seis colheres de açúcar na jarra, um litro de água no bojo da cafeteira e a ligou, deste modo o sono não viria lhe dar uma rasteira e derrubá-lo sobre a mesa de monitoramento. Seu dia de trabalho passou, lentamente, sem atropelos, rasteiras e derrubadas. Faltava uma hora para troca de turno, e se nada de diferente ocorrer, o ponteiro de segundos virá sendo empurrado por uma tartaruga, mas há sempre uma rede para frear os passos de uma tartaruga dando liberdade para o ponteiro, por si só, marchar rumo ao seu destino. Uma imagem negra, borrada, no monitor treze era esse freio. Prometeu desligou e ligou, em seguida, a câmara treze, de negra ela passou a branca, como se fosse um espectro, e de branca a colorida. Nas variações de cores a imagem se tornou nítida, havia um homem no compartimento treze. Ele desceu correndo as escadas com a pistola engatilhada, no corredor encontrou o seu colega de trabalho do turno da noite e lhe disse que havia alguém no compartimento treze e que estava indo averiguar. O colega de Prometeu, chegando na sala de monitoramento, não viu nenhuma imagem de quem quer que seja que pudesse ser um homem, animal ou objeto. Com desdém ele foi saborear o café, estava frio e doce.

Prometeu entrou no compartimento treze mandando fogo, ou seja, bala. As balas trespassadas o corpo do homem não o havia derrubado, nem tão pouco o sangrado. Ele ouviu a voz do medo. Aquele que apavorava, apavorado estava.

“Por que a violou, a matou?” Quem é você? “Ela era uma criança”. Todos nós, de alguma forma, somos. “O quê te levou a violá-la, assassiná-la. Uma criança”. Por que esta ênfase em chamar de criança, é questão de peso, não de idade, tem massa me atrai. “Seu depravado, quem quer que tenha forjado seu caráter deve ter sido tão depravado como você”. Com certeza, o ferro que ele usou é geneticamente o mesmo ao que eu usei para essa tal criança. Com este fogo fui marcado, com este fogo eu marco. “Então conheça o fogo da vingança, seu desgraçado. O mal dá, o mal receberá”.

Quando acabou de dizer a última frase, Pandora surgiu na frente de seu pai. Esta aparição provocou reações diferentes nos dois. Enquanto Perséfone estampava no rosto uma alegria inarrável, Prometeu desabava, ao que parecia, desacordado.

“Pai não combata o mal com o mal, nós temos dentro de nós uma balança com dois pesos iguais, um é a maldade, o outro é a bondade. O pêndulo que equilibra estes dois pesos é o coração, e é de acordo com tuas ações que ele vai pender para o bem ou para o mal”. Filha ele lhe tirou a vida. “Não pai, ele tirou-me aquilo que havia estragado, o corpo, pois a alma vive porque em toda minha vida, pai, eu usei o peso da bondade”. Mas você me faz falta, agora só me resta dor e lágrimas. “Pai, queridíssimo pai, diferente do que muitos pensam, o mal é o motivo de todas as dores, não o contrário, por isso alivia sua dor, logo nos encontraremos”.

Depois que Pandora e Perséfone desapareceram, o colega de Prometeu desceu para ver o que sucedia com ele. O encontrou caído no chão, estático. Ele colocou o ouvido próximo às narinas para sentir sua respiração, nada sentiu. Pegou seu pulso na esperança de senti-lo pulsando, nada sentiu. Era tarde, o fogo da vida lhe tinha sido tirado.

Como a assistente social foi pega pelo sono que adentrou pelas beiradas de seus olhos apossando de sua alma e derrubando seu corpo sobre os braços do sofá, ela, quando acordou, percebeu que o aparelho de monitoramento cardíaco ligado a Perséfone dava sinal de que o fio da vida estava lhe sendo tirado. Ela tentou apertar o botão de emergência, mas Perséfone, no último esforço que suas forças lho permitia, a reteve. Ela olhou seu rosto e viu que não havia dor. Por um motivo que não sabia qual, ela encontrou serenidade e alegria tanto nele quanto nela. Talvez o teu coração estivesse pendendo para o lado do bem. Nessas horas, em que temos de fazer escolhas e mal sabemos se ela é boa ou má, não temos que ter duvidas. Ela não apertou a campainha, abriu as janelas para que, como quem quisesse que aliviada da dor, a alma de Perséfone tomasse o rumo do reino do céu. São dias assim que a felicidade pode vir de várias maneiras e por diversas vias.


Imagem GOOGLE





12 comentários:

  1. Olá!Boa noite
    Éder
    Belo...
    me deu uma breve reflexão de que temos uma dificuldade enorme para avaliar o quanto um acontecimento vai nos deixar felizes ou infelizes, que se as perdas existem , elas são necessárias para se ter ganhos. Nada está pronto e perfeitamente fabricado. Perséfone em relação à Prometeu soube como é difícil olhar uma situação que parece agressiva e não revidar na mesma brutalidade. Seria estranho se não sentisse uma repulsa automática com o acontecido...e por fim, a felicidade plena de Pandora veio de outra maneira... a felicidade que antes de tudo, é um estado de espírito, uma maneira de ver a vida e não a um determinado acontecimento, aquela que busca atingir positivamente a quem lhe cerca.Teve como protelar a vida do
    pai através da doação do seu órgão, de dar mais uma chance do pai viver, mesmo sem a própria vida.
    Obrigado pelo carinho de sempre
    Bom início de semana
    Abraços

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  2. É meu querido a felicidade pode vir em dias nublados bem como pode inexistir nos dias mais ensolarados. Mas como vc mesmo disse,"Quando as opções de escolhas são mínimas, somos empurrados para destinos incertos." Meu anacronismo anda a mil por hora, minha incredulidade cada vez mais exacerbada, sobreviver talvez já não seja uma felicidade... Gr. Bj.! e tenha uma semana maravilhosa!

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  3. Os desígnios de Deus nem sempre são, por nós, compreendidos. Mas há uma razão de ser para tudo que acontece, independente de nossos desejos. Bjs.

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  4. Eita, menino. Você e suas histórias mirabolantes, seus personagens instigantes... No início pensei se tratar de mais uma série.

    Que venha a felicidade, em dias de sol, ou banhado pela água da chuva. De qualquer jeito, felicidade.

    Beijo!

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  5. Pois é, amigo, sua escrita segue firme. Parabéns! Bonita a reflexão que o texto propõe.

    Um abraço.

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  6. Olá!
    Boa tarde
    Éder
    Obrigado pelo carinho de sempre
    Boa terça feira
    Abraços

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  7. Sabe, quando escreves sinto as palavras, e isto poucas pessoas conseguem passar. Bjsss

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  8. OI EDER!
    APESAR DE HAVER PENSADO SER OUTRA DE TUAS SÉRIES,ADOREI ESTA HISTÓRIA QUE TROUXE EM SEU CONTEXTO, VÁRIAS REFLEXÕES, PARA MIM A MAIS IMPORTANTE É TERMOS EM MENTE QUE TUDO QUE NOS ACONTECE TEM UM PORQUÊ, EMBORA NEM SEMPRE NOS PEREÇA O MELHOR CAMINHO A SEGUIR.
    MUITO BOM MESMO...
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  9. voce mudouu te blog acho mais complicado, mas sempre gosto e gosto ainda mais de voce e toda tua linda familia!
    beijos a voc e aos teuus qeridos!

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  10. Olá!
    Bom dia
    Éder
    Obrigado pelo seu carinho dedicado ao meu blog
    Boa quinta feira Paz e luz!
    Abraços

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  11. Sensacional! A introdução no começo, me levou a pensar em tantas possibilidades, mas não nessa história dolorosa que escrevera. Gostei da analogia, é muito inteligente. Seu texto é uma reflexão para a vida inteira.

    Ps: Gosto da forma como você abrange assuntos de Deus, em seus contos.
    Um beijo.

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  12. Olá boa tarde !!!
    meu amigo espero que tudo esteja na paz por ai
    Que muitas alegrias esteja com todos, achei um
    espetáculo seu texto, refletir muito faz bem

    Abraços de bom final de semana
    Bjuss
    Rita!!!!!
    (¯`v´¯)
    `·. ¸.·´
    ☻/
    /▌

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