Parte Final
Ao colocar os pés na
sala, percebi que os meus passos não seriam os mesmos por eu, também, não ser
mais o mesmo. Foi aí que percebi que tudo era falso, aquela casa, melhor
dizendo, aquele lar foi a maneira de me esconder, de não enfrentar a minha
condição homossexual, de aceitar a condição heterossexual que a minha família
queria para mim, que a sociedade, consciente ou inconsciente, exigia de mim.
O seu abraço mudara de significado, o seu
beijo não tinha mais o mesmo apelo, a voz, antes melíflua, agora se tornou acre
e irritante. Tudo se tornou rotineiro, a sua disposição de desfazer o nó da
gravata enquanto me falava do último livro do Paulo Coelho e dos ensinamentos
que aprendera; de me assistir tomando banho enquanto comia a fruta da época
dizendo dos benefícios que ela fazia ao assistir a reportagem no programa
Fantástico, da Rede Globo; de se colocar na mesa com um sorriso outrora
cativante e, no entanto, agora, me parecendo de desespero; da sua disposição de
fazer tudo que eu peço, como me servir o uísque sem gelo, enquanto discutíamos
sobre o último filme de Wood Allen. Foi aí que a ficha caiu, tanto para mim,
quanto para ela, pois caía no lugar comum. Já não mais concordava com o que ela
pensava ou dizia e comecei a tecer críticas sobre todos os livros do Paulo
Coelho, dizendo que a leitura, tal qual o nó da gravata, somente nos sufocava
sem nos trazer nenhum benefício; do fato de se deixar levar pelas reportagens
do Fantástico seguindo o modismo para esquecê-lo na semana seguinte até que
outra reportagem fosse apresentada; critiquei todos os filmes assistidos por
ela, gostando ou não, principalmente os de Woody Allen, lhe dizendo que eram
enfadonhos e lentos, não passavam de dramas familiares, comum a todas as
pessoas, e não precisávamos ir ao cinema para sabermos disso, se assistíamos
era para parecermos cultos.
Como sempre fazia, ela achava que as nossas
discussões poderiam ser esquecidas na cama após uma noite de sexo,
interpretando papéis que não condizia a nossa psique, porém, ela dizia, estamos
representando um papel, seja mais Michael Douglas que eu serei a sua Sharon
Stone e faremos dessa noite uma atração fatal, tal qual no filme. O que ela não
percebia era que eu preferiria continuar no dilema a La Woody Allen, apesar de
saber que não levaria a lugar nenhum. Após várias tentativas sexuais
cinematográficas frustradas, enfadado, levantei da cama e fui para a varanda
fumar o meu cigarro. Ela, nua, acompanhou-me e me abraçou por trás massageando
os meus mamilos apertando o seu sexo nas minhas nádegas. Estático, continuei
fumando o meu cigarro, contudo, ela queria ação. Não demorou muito para ela
descer as mãos à procura do meu sexo. Não achou. Ela perdeu toda a sua classe,
toda a sua misancene. Vi-me num dramalhão novelesco mexicano. Quando ela terminou
com os gritos e os tapas, não havia mais espaço para mim. Saí de cena e voltei para casa dos meus pais.
Gay? Meu filho é gay. Meu Deus, o que minhas
amigas vão dizer agora, gay! Como elas me olharão agora. Gay, não acredito. Meu
Deus, onde foi que eu errei. Filho, isso não é verdade. Gay?
Esperei minha mãe terminar de falar, pois se
eu a interrompesse, ela diria a palavra gay mais quinze vezes para se convencer
que era verdade e estenderia a conversa para me convencer do contrário. Quando terminou,
abraçou-me chorosa e como sentenciasse o que viria a me acontecer, disse-me,
você vai sofrer tanto. Fomos abraçados até a sala, as minhas malas estavam
prontas próximas ao sofá. O meu pai, no pé da escada, se encaminhou à porta e a
abriu. Algumas gotas de chuva ainda caíam do céu, minha mãe intentou pegar um
guarda-chuva e eu não permiti apertando as suas mãos, ela entendeu o meu gesto
como um pedido de socorro. Impotente, ela não conseguiria demover meu pai de
sua decisão, então, encostou a sua cabeça em meu ombro e ciciou, perdoa-me. Não
sei dizer se aquele pedido de perdão era por não ter forças de lutar contra o
meu pai e interceder ao meu favor demovendo-o da ideia de me expulsar de casa,
ou, então, por não saber lutar contra o seu preconceito, pois ainda não
aceitava a minha condição sexual.
Meu pai a arrancou de mim e sem demonstrar
nenhum sentimento, a não ser repulsão, disse-me que não ia me proibir de visitá-la,
desde que não fosse no horário que ele estivesse em casa. Ele subiu as escadas
arrastando minha mãe e quando estava no penúltimo degrau o chamei. Reteve-se
sem olhar para trás esperando que eu falasse.
Houve dois momentos da minha vida que você
me agrediu, um foi ainda criança quando me colocou de castigo ajoelhado sobre
caroços de milho, açoitando as minhas costas com o seu cinto e dizendo que suas
mãos eram guiadas por Deus, pois só assim eu voltaria para o caminho certo. Que
caminho é esse pai, onde a rejeição e o ódio imperam, onde a condição, seja ela
social, de cor e de sexo é primordial para se amar o próximo? Pai, você não
entende que pouco importa o caminho, mas sim, o amor que você planta na
caminhada, pois nenhum caminho será o certo se houver qualquer tipo de
rejeição.
Espere, ainda não terminei. A outra agressão
você fez agora ao me expulsar de casa. Quero que você saiba que a paternidade
não é uma condição, mas um dom divino, e somente aqueles que conhecem, sabe o
verdadeiro significado da palavra amor. Não compreendo a tua recusa em me
querer como filho, mas quero que você saiba que ainda lhe tenho como pai, sabe por
que, você soube me ensinar a amar, levarei e guardarei comigo esse momentos de
amor que passamos juntos até aqui. Apesar de você não pedir perdão pelo que
está fazendo, eu lhe perdoou. Amo vocês.
Ao sair de casa, o arco-íris pincelava o céu
com suas cores forte. Eu vi nele o sorriso de
Deus.
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Confirmando o que foi dito no post anterior.Eis aqui o resultado da ruptura das aparências em que vivem tantas famílias.
ResponderExcluirÉ preciso coragem para assumir e reconhecer quem realmente somos.Há quem diga que estamos numa era de liberdade,mas não vejo assim pois conheço pessoas que por razões familiares não conseguem revelar a própria identidade sexual e com isso vivem um sofrimento ainda maior,não conseguindo ser felizes.
Abraço amigo e até breve!!!
um lindo final, mas infelizmente retrata fielmente uma realidade cheia de preconceitos que só trazem sofrimentos para todos...
ResponderExcluirBeijos
nada de preconceitos!!!!!!
ResponderExcluirè muito pior os pais nao aceitarem como é o filho! amor è amor sempre!!!
Um conto, muitas verdades, digo verdades porque elas acontecem em várias famílias e com várias pessoas, sobre a sexualidade, sobre a ideia de religião, sobre educação, família, colégios...preconceitos, exclusão...
ResponderExcluirabraço
Eder, meu caro, embora eu não participe da condição homossexual do seu conto, me emocionei com o final do texto. A sociedade é cercada de impedimentos e preconceitos. As pessoas não estão preocupadas com a felicidade humana, e sim com as aparências. Essa é a famosa hipocrisia que tem me irritado tanto. De que adianta se estar com alguém se o relacionamento passou a ser uma conversa sem grandes pretensões entre duas pessoas que já não se preocupam com a felicidade uma da outra? Para agradar à postura inflexível e cruel da sociedade? O personagem merece sorrir muito ainda na vida, não só porque assumiu a condição que o fará verdadeiramente feliz, como também devolveu com amor a rejeição que lhe foi dada. Adorei, mesmo, um abraço!
ResponderExcluirOi Eder,
ResponderExcluiruma história já vivida por tantos, infelizmente.
O final foi lindo, a última frase enche de esperança!
Beijos