Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

terça-feira, 14 de junho de 2011

Iluminação

   Claridade em um céu de outono. O sol pulsando, latejando nesse mesmo céu, pintava o dia com clima de verão. Os botões se abriam explodindo em flor, exalando o seu perfume primaveril. Desnudo de qualquer clima frio, feliz, eu fui. A claridade não ofuscava a minha vista. No meio do dia, repentinamente, a minha vista começou a embaçar, nublando as cores. O ar me faltou, uma dor forte me atingiu o coração, faltou-me equilíbrio, caí. As cores se foram, uma tela preta surgiu na minha frente, como uma televisão desligada. Estava na escuridão, sem nenhum sentido, aliás, com um único sentido, a audição, contudo não sabia o sentido disso.
   Ouvi passos ligeiros passando por mim, alguém disse, é uma bêbedo, deve estar de coma alcoólica, outra voz disse, é um indigente, deixa para lá, mais outra voz, precisamos tirar essas pessoas da rua, isso custa caro ao estado. No entanto, eu não sabia o sentido disso.
   Não saberia dizer quantas horas passei ali, pois eu só tinha um sentido, e com ele, era difícil precisar. Contudo, pelos poucos passos na rua, já deveria ser muito tarde. O barulho do objeto tocando no chão deveria ser de uma bengala, provavelmente de um idoso. Ops! Que é isso? Meu Deus, é uma pessoa! Não está respirando, não sinto seu pulso. Jesus, será que ninguém viu essa pessoa aqui? Precisou eu, um cego, esbarrá-la para enxergá-la. Vou ligar para a emergência. Apesar de um cego ter-me "enxergado", eu não estava entendendo o sentido disso tudo.
   Estridente, a sirene anunciava a aproximação da ambulância. Ouço passos apressados e barulho de rodinhas arrastando no chão, bem provável ser uma maca. Ouço alguém dizer, tá sem pulso, isso já élvis, virou presunto. Porra, cara, tenha um pouco de sentimento, respeita o morto, disse outra voz. Deixa de ser fresco e sentimentalista, isso é carne morta, útil apenas aos vermes, retrucou a primeira voz. Porra, cara, se você não sente a morte de alguém, se você não se emociona por uma mãe que perdeu o seu filho, eu lhe pergunto qual sentido em viver. Abrir e fechar os olhos, claridade e escuridão. Saber aproveitar o estado claro o máximo possível, pois no estado escuro a vida deixa de ter sentido, e morrer todos nós morreremos, sensibilizar com isso é relegar os sentidos para a vida. Tá respondido? Agora cobrimos o defunto e chama o rabecão, esse vai feder logo. Porra, cara, você é insensível. Sabia que eles estavam falando de mim, não obstante, eu não discernia o sentido disso.
    Da mesma forma que me foi tirada a luz, deixando a escuridão, repentinamente, tudo embranqueceu a ponto de me cegar momentaneamente. Quando me acostumei com a claridade, eu vi minha avó surgir encoberta por uma luz intensa, atrás dela estava o meu avô, em seguida vieram pessoas conhecidas, mortas há anos. Agora que eu não estava entendendo mesmo o sentido de tudo isso.
     Comecei a ouvir choros, mas não vinha de onde eu estava, ouvi vozes gritando, eram os meus filhos. Barulho de algo sendo jogado sobre madeira e desespero na voz dos meus filhos dava a entender que algo de ruim aconteceu comigo. Por que você morreu pai? Nos abandonou, por quê? Nããããããoooooo. Estas foram as últimas palavras que ouvi, e elas eram dos meus filhos. O barulho de terra batendo sobre a madeira se tornou ensurdecedor. Quando dei por mim novamente, eu estava de mãos dadas com meus avós caminhando para uma dimensão branca. Perguntei.
   - Vô, vó. Estamos mortos?
   - Não minha neta. Mortos estão aqueles que perderam os seus sentidos e não se sensibiliza com nada. Nós estamos apenas de passagem.
   - Mas isso aqui é o fim?
   - Fim? Só existe para aqueles que não conseguem se iluminar. Estava vendo essa brancura, deixa de vê-la e sinta-a, isso é Luz. Ilumina-se.
   - Então isso aqui é renascimento.
   - De certa forma sim. Mas não há a necessidade da morte para se iluminar, minha neta. A iluminação tem de ser em vida.
   - Mas como?
   - Voltando-se para Deus, ele é a fonte de toda iluminação. Vamos?
   Tudo fazia sentido.

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8 comentários:

  1. Vamos! Sempre voltada para o Senhor, toda a luz emana de nós! Um beijo grande, mano querido! Deia

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  2. Uma experiência profunda que por mais que se tente até cientificamente compreender apenas quem passa por ela consegue perceber tamanho é seu poder.Acredito que a espiritualidade vai além da razão humana,é necessária Fé!
    Grande abraço,

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  3. Eder, um conto emocionante que nos revela muitas verdades... A morte toma dimensões bem diferentes quando se tem consciência do nosso papel aqui nessa terra e do real propósito de Deus para nossa vida.

    "Uma nuvem não sabe por que se move em tal direção e em tal velocidade. Sente apenas um impulso que a conduz para esta ou aquela direção. Mas o céu sabe os motivos e os desenhos por trás de todas as nuvens, e você também saberá, quando se erguer o suficiente para ver além dos horizontes." (Richard Bach)

    Confie sempre!

    Um abraço super carinhoso e uma semana de muita paz e luz!

    Yehi Or - Liene

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  4. Estou com o teu blog aberto tentando ler, e tem gente mandando eu trabalhar. kkkk
    E eu nunca termino de ler.
    Um dia desses li, comentei, e o blog não aceitou.
    Mas eu volto. Li seu comentário agora, coincidência. beijo

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  5. Que texto interessante Eder

    você falou de algo delicado e até dramático, de uma forma leve. Adorei!

    Beijos!

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  6. Tememos a morte, e morremo por falta de sentir, de decidir, de ser um ser com vida. Muitos de nós pensamos viver, e estamos tendo sobrevidas.

    Muito boa a sua reflexão. A insensibilidade diante do outro, é uma grande morte.
    Por vezes me sinto um tanto anestesiada diante de tantos sofrimentos, dores, falcatruas.

    Um forte abraço.

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  7. Olá Éder,
    Passando para agradecer por deu comentário em minha postagem. Adorei.
    Seu texto nos fala de algo muito comum: a passagem de nossa alma para o mundo espiritual. Aqui permanece apenas o corpo de carne e nós, espíritos
    que somos, vamos habitar novas paragens onde o que conta é o amor e a fraternidade.
    Um grande beijo,
    Maria Paraguassu.

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  8. A vida para além da morte...qual o propósito da morte...o que é a morte? O que é a vida? Como é que as pessoas se relacionam em vida...um bom texto...uma prosa interessante...mais havia a dizer...Gostei muito!!!

    Beijo

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