Sexta-feira, desprotegido, as frustrações da semana era agasalho. Eu chego a minha casa cansado. Esposa na escola, filha dormindo. Campainha quebrada, eu ouço alguém chamar. Uma criança prostrada na porta com um olhar triste conta-me que havia jogado um pé de sandália, sem querer, na minha garagem e que havia chamado e como ninguém atendeu, ele estava vindo aquele horário. Não a achei, explico-lhe que talvez minha esposa tivesse guardado e que ele voltasse amanhã.
Anoitecia, o frio era intenso. A minha esposa havia chegado. Conversamos amenidades. Era madrugada quando fomos deitar. Aconteceu de eu esquecer de relatar sobre o pé de sandália.
Sábado de manhã. O sol nem havia surgido e a criança estava na minha porta com um pé de sandália na mão dizendo que era igual aquele a que ele havia perdido. Como minha esposa tinha saído cedo, ele ficou sem respostas. Chorando disse que seu pai daria uma surra, pois a sandália era para ele ir à escola de manhã e para seu irmão ir à tarde. Portanto além de apanhar eles teriam de ir descalços. Ofereci-lhe um par de sandálias novo. Ele recusou porque não o eximia do erro e seu pai pensaria que ele teria roubado.
Sentamos na escada da garagem e ele percebeu os jornais, as garrafas de alumínio e PET amontoados. Admirou eu ter a mesma profissão do seu pai e ser rico (coisas de crianças). Conta-me que seu pai era catador de lixo. Explico-lhe que eu separava meu lixo não orgânico e doava e se ele quisesse poderia levá-lo. Dois minutos depois ele chegou com um carrinho de mão.
Após chegar das compras minha esposa mostrou-me onde tinha guardado o pé de sandálias. No domingo vi a criança com sandálias nova, presente do pai por tê-lo ajudado na coleta de lixo. Dei-lo o pé de sandália e ele me falou que ia doá-lo para um colega de escola que estudava descalço. Saindo disse-me:
- Obrigado por ter me ensinado a valorizar a profissão do meu pai. A tua doação me ensinou a doar também.
FIM
A história acima é verdadeira, o final é fantasioso. Vamos aos fatos. Ao sair para a escola minha esposa deixou o pé de sandália na calçada, e alguém deve ter pegado. A criança por não ter achado apanhou tanto que no domingo ela me mostrou suas pernas. Marcas de cinto. A pobreza fabricando monstros.
Resolver o problema da desigualdade social para quê? Estaremos sempre construindo presídios para enjaularmos os monstros.
06/06/06
Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com
quarta-feira, 21 de abril de 2010
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Um lástima isso tudo.
ResponderExcluirDoído e chocante.
Abraços.
~Também não tenho resposta. Mas o poder da agressividade pode estar em qualquer canto. Do que sei, é que nada passa em branco, e que o tempo, de um modo ou outro, nos cobrará tanto pelo que fazemos qto pelo que deixamos de fazer. Vc é fantástico, meu querido, por trazer essas questões. Beijos de quem quer notícias dos baixinhos. Bom finzinho de feriado.
ResponderExcluirÉ uma pena que sua história não seja a realidade.
ResponderExcluirE sim que a realidade é cruel.
abraço
Nossa, nem sei o que dizer.
ResponderExcluirFiquei emocionada com a imagem.
Ótima quinta, querido!
Marcas de cinto. Que triste história, Eder! O final bem que poderia ser verdadeiro. Que bom seria, não é?
ResponderExcluirA foto é surpreendente, meu Deus! A música de fundo quase me faz chorar. Eu a adoro, simplesmente. Saudades! Beijo, querido escritor.
Ai.. sem comentários. Na semana passada fiquei horrorizada com uma história do pai que matou a criança porque derrubou um copo de leite no sofá, detalhe: tinha 2 anos. E o pai afirmou perante o delegado que havia avisado a criança para não tomar o leite no sofá, pois iria derrubá-lo. Como se justificasse. Bateu na criança e a colocou para dormir, amanheceu morta. De doer na alma, mas não dá para fingir que não viu e não ouviu. Beijos!
ResponderExcluirPrometo voltar e ler com a devida atenção!
ResponderExcluir______________________________
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Eder, amigo Eder;
ResponderExcluirCaramba,...
Eu bem que gostaria de comentar, mas você já mostrou o lado que deveria ser o real e o humano e apagar o que na verdade existe!.
Quando será que o Homem deixará de ser animal e ocupará o seu lugar para que veio, que é o de pertencer à HUMANIDADE e viver conforme seu raciocínio de humano e não de monstro animalesco?!...
Caramba, Eder...
Um grande abraço, grande amigo e grande escritor.
Osvaldo
É, Eder, um história triste...
ResponderExcluirObrigada pelas palavras e pela visita em meu blog.
Fiquei muito feliz!
Volte mais vezes por lá... Estou te seguindo também!
Eder, meu caro, quando tuas historias não nos deixam atordoados e perturbados com tamanha verosimilhança, nos permitem mergulhar num profundo cesto de sentimentalidades verazes. Gosto muito de textos assim, que nos remetem poeiras deum bom tempo inesquecivelmente maravilhoso.
ResponderExcluirContinuemos, companheiro.
Repassando as vistas aqui, grande Eder.
ResponderExcluirAbraço forte.
Continuemos...
Eder querido.
ResponderExcluirSÓ POSSO AGRADECER POR ME PROPORCIONAR UM TEXTO TÃO VALIOSO!
MEUS OLHOS SE ENCHERAM DE AGUA...MUITO MAIS DO QUE FABRICA DE MONSTROS A MISERIA DESTROI A DIGNIDADE HUMANA!!
LIÇÃO DE VIDA!!
OBRIGADO...POR SER TÃO GENTIL COMIGO EM SEUS COMENTARIOS, POR ESCREVER SEMPRE TÃO DIGNAMENTE, POR TER ESSE BLOG GOSTOSO ONDE PODEMOS COMPATILHAR DORES, AMORES E RIMAS!!
OBRIGADOOOOOOOOOOOOO