Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O medo da minha filha

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     Essa crônica era para falar sobre a violência em São Paulo. Sabemos que a culpa é nossa, isso mesmo, nossa. A partir do momento que compramos um CD ou DVD pirata, nós estamos de alguma forma financiando o tráfico. São pequenos atos como este que dá a dimensão do grande problema que ocorre em nossa sociedade... Não, não falarei sobre a violência, falarei sobre a não-violência. Nasci numa cidade do interior da Bahia onde havia pessoas de todos os níveis sociais, mas havia ali algo maravilhoso e valioso: humanidade. Todos se respeitavam, todos se cumprimentavam, os mais velhos, geralmente de chapéu, tinham o hábito de retirá-lo em cumprimento aos outros. A vida era desacelerada, o mundo era até onde os nossos passos alcançavam, e éramos, por incrível que pareça, felizes. Ali uns ajudavam aos outros, a humildade era regra.
     Quando eu era pequeno, a medida do meu mundo ia até onde meus olhos conseguiam alcançar. O meu limite de distância era o encontro do Rio São Francisco com as bordas do céu. Os meus medos eram todos frutos da minha imaginação. Sacis, cucas, bichões papões eram os vilões que se apresentavam como ameaças. Variedade de pássaros era trilha sonora no meu caminho, cercado por animais numa imensidão verde, eu aprendi que o respeito e o amor ao próximo eram o ato principal no cenário da vida.
     Quando eu era pequeno imaginei meus pais já velhinhos por mim sendo cuidados; minhas irmãs, todas casadas, floriam de sobrinhos nossa casa; eu teria uma linda esposa a me amar e de nossa união brotariam um casal de filhos. Sonhei isso num mundo cercado por verde, com sabiás, pintassilgos, canários, sofrês a tocarem sinfonias; animais a nos circundar enchendo de beleza o que seria uma vida de sonhos. Sonhei com minha família vivendo unida com outras famílias, sonhei todos vivendo em paz e respeitando as diferenças. E como sonhei isso...
     Hoje minha filha, com nove anos, tem a medida do mundo maior do que a minha, pois seus olhos conseguem enxergar devido a gama de informação, maior do que a minha quando eu era pequeno. Ela sabe que sacis, cucas e bichos papões são frutos da imaginação. Seus medos são mais reais e junto com ela eu também tenho medo. Ela tem medo da violência urbana que aflora pela cidade que ela nasceu.
   

                

15 comentários:

  1. O menino que habitava este homem, também já perdeu seus sonhos interioranos, matutos e puros! Não perdeu porque escolheu perder. Perdeu porque lhe arrancaram, à força, tais sonhos. Perdeu porque as "cucas" viraram armas que sangram; os "sacis" viraram fuzis em mãos de "inocentes", massacrados numa exclusão que agora vitimiza tantas outras inocências... Os meus medos dizem respeito aos sonhos que meus filhos podem alimentar; dizem respeito à vida que precisa continuar a pulsar em cada centímetro de crescimento deles, em cada dia de escola, em cada passo dado fora do apartamento e suas grades...
    Sim, meu amigo Eder, os meus medos podem ser vistos, escancarados, nas faces dos meus filhos que, mesmo carregados de inocência, já se deparam com cenários brutais e doloridos.

    Fraterno abraço!

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  2. Sei bem como é isso, também nasci numa cidade pequena que da esquina via os quatro finais dela. Foi bom ter passado a infância lá e as vezes sinto tristeza por esse mundo que de algum jeito construimos.
    beijos

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  3. "A vida também ficou ficou mais "interesseira". Existem pessoas que nem percebem a mensagem com a devida atenção merecida e apenas querem ser notadas. A vida esta mudando, ou são as pessoas"?

    Eder amigo, sua filha sofre os medos de hoje, você sofria os de ontem, seus pais os de antes, seus avos bem lá trás, também sofreram.
    Essa "evolução" apenas substitui as coisas que convivemos. Cada uma no seu tempo. E infelizmente para nós é choque, pois nossa noção de mundo é diferente.
    Quando você for avô observará que seus netos pisarão num terra modificada mais uma vez e tomara que esteja menos pior.

    Um grande abraço.

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  4. Ah, Eder... esse medo todos nós temos.
    Tanto que chego a sentir falta da Cuca..


    Me perdoe pela ausência. O trabalho e o blog sobre livros têm me tomado muito tempo. É bem provável que minhas visitas diminuam. No entanto, jamais me esquecerei do carinho dos amigos, e estarei presente sempre que possível.

    Beijo grande!

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  5. Também venho dessa pátria e tomava benção beijando a mão de meu pai. Estranha realidade essa mutação em que vivemos hodiernamente. Uma estranheza profunda de valores, de consciências. Seu texto é instigante e reflexivo e este mêdo de que voce fala também nos assombra. Obrigada pela partilha! abraços

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  6. Eder, sua crônica me emocionou. Que medos maravilhosos tínhamos. Medos que, de certa forma, nos inspiravam. Os medos de tua filha e de quase todos os brasileiros roubam a qualidade de vida. Eles limitam a liberdade e entristecem o coração. É uma violência gerada pelo próprio homen, quando os valores já há muito se perderam.Tomara que esta realidade possa mudar num futuro próximo. Tomara! Beijo.

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  7. Eder, você me traz vários elementos para refletir e comentar/conversar.

    A nossa responsabilidade diante do mundo, do outro, e que nós não percebemos. Falamos mal dos políticos, e quando paramos para refletir a nós mesmos, sempre achamos que não é nada demais. Comprar cds piratas, não devolver o troco errado no supermercado, abrir alimentos no supermercado comer e não pagar, receber pequenos "brindes" para fazer um serviço pelo qual nós somos pagos para fazer e achar que não é um tipo de suborno, levar os filhos num carro do governo para a escola....e por aí vai, nada disso é visto como falta de ética, falta de respeito com o outro, e com nós mesmo....


    Agora, vamos ao lindo da sua crônica, e imaginei que lia ela num grande jornal de circulação. Onde muitos pudessem ler e refletir.

    As crianças de hoje tem o moderno, tem a acelaração da modernidade, já chamada por muitos de hipermodernidade, e perderam em imaginação, em criatividade, a criatividade que ao brincar, estava aprendendo o respeito, o amor ao outro, a humildade, se recriava, se estruturava, e sonhava...

    E são pessoas feito você, feito seus filhos (tenho certeza), que vão fazendo a diferença onde estão.

    abraço, abraçado.

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  8. Esse texto tão pungentemente escrito por vc, deveria estar gravado num outdoor gigante, numa dessas esquinas violentas que a cidade de São Paulo abriga...Li, me identifiquei com seus medos, concordo com cada letrinha e saio assim, com um nó na garganta...Bjs.

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  9. Eder confesso que também tenho muito medo por mim, pelos que amo, por minha pequena que tem quase a idade da sua e que por mais que tentemos evitar, já se depara com notícias que eu quando era pequena nem chegava a saber.
    Fico assustada todas as vezes que vejo o noticiário, todas as vezes que leio o jornal. Confesso que é sinto um grande desânimo, uma grande tristeza pois estamos cercados de violência, mas ainda assim, acredito que a nossa postura, a nossa honestidade, a nossa lisura são fundamentais. Tudo depende um pouco de cada um de nós.
    Tenho esperança, meu amigo.
    Quanto ao comentário que você deixou é talvez eu deva passar um tempo na Bahia - rs. Lá três meses darão a sensação de seis e eis aí o meu período sabático.
    Um beijo

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  10. Eder...voce tocou num ponto importante de uma forma tão simples que ficou muito bonito amigo...lendo os comntários me arrepiei por aqui
    Como eu tinha e tenho vontade de desacelerar o tempo, a vida...pra que as pessoas pudessem se importar mais com as pessoas, se doar humanamente falando...não ter a pressa...não ter o compromisso com metas e atropelar o sentimento do outro....afff...deu vontade de escrever sobre isso amigo...vou anotar porque a idéia agora borbulhou aqui dentro...obrigado pela leitura de tão norme significado pra mim neste momento
    Um abraço na alma
    beijo no coração amigo

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  11. Oi Mano. Falávamos sobre isso essa semana, aqui em casa, durante o jantar. A violência está na soleira das nossas portas, já não bate, arranca o que vê pela frente. Sentada na aula uma colega contou, como se nada fosse, que ficou em poder de sequestradores por "só" quatro horas. O mundo virou de pernas para o ar, e damos graças quando tudo acaba bem - independente de termos sofrido o mal. As fronteiras estão mais amplas mano, assim como mais estreito deve ser o nosso cuidado com aqueles com quem nos importamos - mesmo os mais distantes ficam em nossas constantes orações... Ainda por cima, sentimos o medo causado pela mesma cidade... Um beijo da maninha!

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  12. Ótima reflexão!
    Acredito que cada época porta consigo medos e preocupações.Como bem disseste o que o que assustava nossos avós,nossos pais, e nós também,hoje não assusta aos nossos filhos e isto é o que chamamos evolução.Certo é que o progresso, qual rolo compressor, vai nivelando o presente,esmagando o passado,construindo o futuro incerto e temeroso...
    Abraços e grata pela visita,
    Bergilde

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  13. ...é. Medos. Nossos medos de cada dia, que pena, não podemos com tantos medos.

    Tão bom te ler, crônica é sempre um prazer ler, pena que você não falou o nome da cidade no interior da Bahia, elas tem nomes tão bonitos.

    Abraço.

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  14. Olá!!

    Passando para conhecer e seguindo!!

    Abs,

    Daniele Barizon
    www.neointerativo.com

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  15. Qual foi o livro que vc encomendou, Eder?
    Vai me contando depois sobre o que vc acha dos livros que vc comprou e leu por causa do blog... me fala se gosta ou não, se concorda comigo, se discorda... rs. Adoro essa troca de figurinhas!

    Passa lá no blog. Vai ter promoção do livro da resenha de hoje. :)

    Beijo grande!

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