Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

domingo, 3 de janeiro de 2010

Metamorfoseando

Por me falhar a inspiração, afeiçoei-me ao vício da bebida para que esta me provesse com o que me faltava, como o político ao corrupto e a política à prostituição. Pessoa próxima a mim fez-me ver que o corrupto se metamorfoseia no político e a prostituição na política, e nesta simbiose, um era espelho do outro, assim como o bêbedo era espelho de mim. Como a imagem não me era aprazível, quebrei o espelho e deixei de lado o vezo que me metamorfoseava. Quiçá se os políticos o mesmo fizesse, bem mais aprazível seria a política, mas como tudo que vem dessa classe é sujo, com certeza se quebrasse o espelho, a imagem estilhaçada seria do político, permanecendo o corrupto; quanto à política, esta, já nascera prostituta que se torna difícil saber onde começa uma e termina a outra. Difícil para mim é saber quando me virá à inspiração, e, antes que o poeta morra, trarei a luz mais um conto insólito do meu, já falecido, amigo Onairam Mesrede, intitulado, “Metamorfoseando”. Acompanhamos a história.


Naná fora criada numa família muito severa, pai padeiro e mãe costureira. Fora educada em escola administrada por feiras. Educação rígida que não admitia qualquer deslize. Na escola o castigo era aplicado na sala palmatorial, dado por Rosa, uma feira gorda de braços fortes que fazia com que a dor das palmatoadas fosse sentida das extremidades da palma da mão até a sola do pé. Até hoje Nana lembra da palmatória, feita de jacarandá com cinco orifícios dispostos em cruz. Naquela época todos diziam que as palmatoadas de Rosa equivaliam as chicotadas que Cristo recebeu. Exagero a parte, em sua casa não era diferente; os erros eram curados por castigos, e os de Nana eram tantos que ela recebia o pior dos castigos, ajoelhar sobre milhos. E ela os mereciam. Os róis de estripulias por ela praticada são tantos que enumerá-los é tão difícil quanto enumerar um político honesto.

De todos, o que mais Naná gostava de fazer, sem conhecimento dos pais, era o de assustar aqueles que passavam, ao cair da noite, pela rua do cemitério. Quando o sol era tomado pela cor alaranjada e amarela, Naná furtava um dos vestidos do atelier da sua mãe, pegava um quilo de farinha de trigo da padaria do seu pai, e encaminhava para o cemitério, esperando que descortinasse no céu o brilho da lua e das estrelas; vestindo-se, e cobrindo-se toda com a farinha de trigo, metamorfoseava em fantasma assustando quem por ali passava. Ela se esbaldava em risos pelo medo provocado nos outros. Naná fez da brincadeira hábito para desafogar dos castigos impostos pela escola e pelos seus pais. E assim espalhou-se a fama da Noiva Fantasma, e aonde quer que chegue a história não tinha um que tomasse coragem para tirar a limpo o que se dizia. Crescida, Naná se livrou dos castigos, não dos sustos que pregava nos outros. Com dezesseis anos, Naná não era mais uma menina, e sim uma mulher que despertava desejos nos garotos, e dentre estes estava Miguel. Naná desdenhava de todos eles, mas o Miguel não se dava por vencido, e quanto mais ele atacava, mais atacada pela cólera ela ficava. Vendo cercada a norte, sul, leste e oeste por Miguel, e não tendo nenhum ponto de fuga, ela resolveu marcar um encontro com ele nas proximidades do cemitério.

Miguel, dando os primeiros passos na rua que o levaria para o cemitério, sentiu medo. A neblina cobria toda a rua, mal dava para enxergar o que distava a meio metro; uivos do que parecia ser de lobo rompia o silêncio; cheiro de rosas anuviava o ambiente, era o aroma da morte. Com este cenário a favor, Naná já esperava o Miguel, pronta para lhe pregar uma peça. Com peruca acinzentada, pó de arroz branco sobre a face, sombreada em torno dos olhos com pó preto, nos lábios batom arroxeado, e vestida de branco; Naná, metamorfoseada, aguardava o Miguel. Quando este a viu, não havia coragem que o sustasse ali, e desesperado deu asas as suas pernas, correndo sem olhar em que direção.

Uma semana se passou e ninguém soube notícias do Miguel. Como ele tinha o hábito de faltar em semana de feriado, e aquela era a semana de finados, poucos deram por sua falta.

Naná, sabendo que nenhuma de suas colegas iriam aceitar, chamou-as para lhe acompanhar até a casa de sua tia. O convite foi recusado, pois elas sabiam que para chegar lá era obrigatório passar pela rua do cemitério, assim Naná foi sozinha. Aproximando do cemitério, Naná ouve uma voz lhe chamando.

- Quem é? – Disse.

- Entra no cemitério que saberá. – Respondeu a voz.

Naná, receando, entrou. Pela primeira vez ela sentiu medo.

- Quem é? – Naná tartamudeou.

- Não me reconhece Naná? Sou aquele que lhe amou em vida e lhe amará após a morte.

- Amou-me? O que você quer dizer com isso?

- Como você percebe pela conjugação do verbo, lhe amei em vida, agora lhe amo após ela.

Assustada, Naná tentou correr; mas uma força maior a segurava ali. Ela, que tripudiara de muitos se passando por alma penada, sentia que estava diante de uma, ou então alguém estava se metamorfoseando, tentando lhe pregar uma peça; e só poderia ser o Miguel. Pensando assim ela perdeu o medo, e antes de ser tripudiada, resolveu tripudiar dele.

- Miguel, meu amor, é você? – Disse Naná disfarçando seu riso.

- Sou eu, o teu amado que saiu do tumulo, e veio cobrar o amor por ti renegado.

- Pois venha, se mostra para eu devolvê-lo o tanto que me ama.

- Você não compreende Naná. Você não pode me ver, só sentir. Eu morri naquele dia em que você me assustou. Fui atropelado quando fugia da Noiva Fantasma.

Mais do que nunca Naná tentou fugir dali. Era impossível. Ela não via, mas sentia a presença do fantasma do Miguel, negando-lhe qualquer ponto de fuga. Sendo beijada por ele, um beijo frio, ela sentiu que lhe fugia a alma. Desmaiou, quando acordou não estava mais entre os vivos, estava ao lado daquele que lhe amou em vida e estava lhe amando após a morte.


18/09/07

10 comentários:

  1. Poderia dizer que "vento que venta lá, venta cá";
    "Quem com ferro fere, com ferro será ferido";
    "Quem planta vento, colhe tempestade";
    Mas na verdade, Naná se f!
    Abraços.

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  2. Onairam Mesrede...Mariano Edersem...por um acaso este é você...rsrs
    Lendo Éder não pude deixar de lembrar das peripécias que eu e meus irmãos aprontavamos para assustar as pessoas na rua...uma vez meu irmão quase fez nascer prematuro um bebê, a mulher estava grávida e naquela bincadeira de puxar um fio de ferro de passar roupa, passando-se por uma cobra, aff...meu irmão quis acalmar a mulher e pegou o fio para mostrar que era brincadeira, a mulher quase teve um troço...
    Show de bola o conto Eder, o final é merecedor de aplausos, echou com chave de ouro...
    Um abraço na alma...

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  3. Seus contos muitos vezes me dão arrepio!rsrs
    Adoro estar aqui, me inspirando nas leituras de suas palavras.

    Um abraço carinhoso para você Meu Amigo!

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  4. Hoje a minha passagem por aqui é para agradecer o seu carinho e amizade!
    Obrigada por suas palavras!
    Um beijo carinhoso

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  5. Bom diiia, amigo! Passando para recordar as peripécias da Naná e do querido Onairam, já que o seu coração generoso resolveu ao menos resgatá-lo do velho baú! ..rs. Adoro seus contos assustadores e esse vem até com uma pitada de romantismo.. Falar em romantismo, nem te contei que assisti a um filme brasileiro dia desses na tv a cabo - um romeu e julieta à brasileira, entre uma favela e bairro nobre do rio :(( Depois conto. Beijokas.

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  6. Muito bom!! Fiquei fixada!! ADOREI PARABÉNS...BJS
    TO SEGUINDO

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  7. Querido amigo!

    Voltei... E estou passando para lhe desejar um feliz 2010. Que todos os seus sonhos se realizem. Obrigada pelo carinho e pelas lindas palavras. Beijo

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  8. Oi, amigo! Obrigada pela visita! E não, não me ofendeu com o comentário sobre Brasília, tem gente que ainda odeia Brasília,mesmo não sendo mais uma roça.KKK.. ofensa pessoal é outra coisa, amigo. Abraços.

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  9. Ai que meda!! Gerlamente não tenho medo de morto e nem de cemitério, embora não ande com facilidade ou necessidade num. Mas agora fiquei! kkkk....

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  10. Éder... faço de suas as minhas palavras!
    E que sejamos sempre companheiros nessas estradas da vida!

    Um beijo carinhoso

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