Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Sob o domínio do mal

Meu amigo, já falecido, Onairam Mesrede autorizou-me, em vida, a publicar seus contos desde que citasse sua autoria. Fui surpreendido quando recebi uma carta psicografada desautorizando-me o que em vida ele havia autorizado. Como tenho mais medo dos vivos do que dos mortos, publico aqui o último conto, esperando que ele reconsidere, pois quando se morre a única recompensa é que encontramos, lá em cima, nossos amigos para recompensar todos que, aqui embaixo, deixamos. Vamos a história.


Os fetos quando formados adquirem características dos pais. Nascidos, as características adquiridas são amplas, sofrendo influências dos vários meios aonde vivem, seja ele familiar, escolar, de trabalho, e etc. A prevalência de um ou de outro é que dirá quem realmente são, e isso não quer dizer quem um meio seja melhor do que o outro; pois o bem e o mal transitam com desenvoltura em qualquer meio, e disso nasce a grande dificuldade de forjar um ser na mais completa retidão. Muitos conseguem dosar as duas forças antagônicas levando suas vidas em total calmaria, mas sempre correndo o risco de sofrem influências, ou serem atingidos pelo mal. Outros conseguem se proteger da influência maligna e trilha o caminho do bem; pode-se dizer que vivem felizes, ou, então, exagerando, santificam-se. Alguns são seres maleáveis, tanto trilham o caminho do bem quanto do mal, e, estes, não tem salvação por terem conhecimento dos dois caminhos, e são os mais desprezíveis. Estes, indubitavelmente, são os políticos; abraçam uma bandeira, uma cor, denominando partido, e debaixo desta bandeira acham que se diferem, mas por mais diferentes que sejam os partidos, os políticos se igualam por pisarem no mesmo chão enlameado, o da corrupção, e de uma forma ou de outra, todos saem respingados. Os restantes são, incontestavelmente, irrecuperáveis, pois têm o mal no código genético do seu genoma, e dentre estes estão os ladrões, estupradores, assassinos, e etc. Mas não são os piores, pois são frutos do seu meio, não tiveram a oportunidade de conhecer a face do bem. O pior de todos, sem nenhum traço de dúvida, são os políticos, pois, estes, têm as ferramentas para germinar o bem em cada meio, mas não fazem isso por não enxergar o coletivo, e a amplidão de sua visão só consegue ver o que reflete no espelho, ele próprio. Por isso as personagens abaixo são, por extensão, filhos de todos os políticos; apregoam o bem para se elegerem, eleitos germinam a semente do mal, e nós, reles mortais colhemos o caos.

Fedro não foi político por influência do pai. Ladrão do bem, como seu próprio pai se denominava, somente roubava os abastados. Como dizem que filho de peixe, peixinho é, ele queria que Fedro seguisse seus passos, e exerceu seu poder sobre Fedro quando este queria ser político e lhe disse que não o criara para ser ladrão pé de chinelo, que até para ser ladrão era preciso ter um pouco de ética, e político nenhum a tinha, e não permitiria que ele roubasse os pobres, por isso, político, jamais seria.

Farrah fora criado em um ambiente familiar feliz, onde todos professavam a fé em Deus pai. Despossuído das futilidades materiais, ele desejava o bem a todos. Fugia da política e dos políticos tanto quanto o diabo da cruz, sendo mais fácil, para ele, mandar o diabo para os quintos do inferno do que um político. Mas mesmo que conseguisse, não teria sucesso na sua empresa, pois o diabo rejeita o político sabendo que quando este se agarra ao trono não larga mais.

Sarah, nos primeiros anos de vida, fora criada na mesma comunidade de Fedro. Eram amigos de infância. Quis o destino que ela saísse dali para morar na mesma comunidade de Farrah. Sarah cresceu em um ambiente boníssimo, mas o mal não havia sido expurgado do seu caráter completamente, ficaram traços que haveriam de aflorar, eles estavam apenas adormecidos. Mulher feita, Sarah casou com Farrah, e suas vidas seguiam na mais pura harmonia. Como o bem e o mal são separados por uma linha tênue, ocorreu a Sarah de andar nesta linha. Despreparada para o que vinha, o pior veio. Desequilibrada, ela pisou no lado errado da linha, veio o mal. Encontrou Fedro, e como ocorre com quase todas as mulheres que ver bondade em tudo e todos, ela viu em Fedro tudo de bom, e seduzida pelo que ela viu de belo nele, uma forte atração a jogou em seus braços, e daí para a cama.

Quando Farrah soube do caso extraconjugal da sua esposa, a inocentou por saber que ela, sendo tão bondosa, fora atraída pelo que há de maligno nos outros. Ele não sabia que no caráter de Sarah o mau fora forjado quando ela ainda era uma criança. O mal das pessoas boas é pensar que o mal está nos outros.

Farrah jamais seria capaz de esboçar uma atitude violenta; mas quando soube da traição, ele, num ato impensado, como todo animal atacado em seu território para se defender move mundos e fundos, comprou uma arma para tirar a vida daquele que plantou a erva do mal em seu lar. Por mais bondade que houvesse nele, o que lhe movia era a defesa da família, do seu bem maior, mesmo que não enxergasse que tanto Fedro como Sarah tinham responsabilidade mútua pelo mal. Num ato tresloucado encontrou os dois na cama em um hotel vagabundo, cheirando a podridão humana. Fedro, surpreendido, não teve tempo de reagir, recebeu uma bala certeira no coração. Seu sangue espalhou pela camisola de Sarah, já manchada com o líquido do amor carnal. Desesperada, ela se arremessou para cima de Farah. Atracados, ela, pressentindo o cheiro da morte, se defendia; ele, o da salvação da família, a protegia. Mas quando o mal macula, ele só se dá por contente quando a mácula for completa, e por um ou outro meio ele age. Acidentalmente a arma disparou acertando a região estomacal de Farrah. Agora era o sangue do seu marido que manchava sua camisola. Ela entrou em desespero, e a linha que ligava a vida à morte se aproximava, e ela não tinha escolha, ou ia por vontade própria, ou seria levada.

O sol já estava se pondo. Ela pegou a arma, olhou que no tambor só tinha uma bala. Ela só tinha alguns minutos, quiçá, míseros segundos. O sol refletia por sobre seu ombro esquerdo. Ela aponta a arma para seu peito, deu o tiro. Silêncio total no quarto. Não havia sangue, não havia mancha. O tiro falhara. O sol estava no centro da sua cabeça. Aperta novamente o gatilho. Em prantos ela vê sua imagem refletida no chão do hotel, ainda estava viva. Ela não tinha como fugir do seu destino. Havia a necessidade de completar a mancha da camisola com seu próprio sangue. Os raios solares agora estavam sobre seu ombro direito, e, no chão, a sua sombra foi a última imagem que viu. A bala atravessou o céu da sua boca, os miolos do seu cérebro espargiu por sobre seus louros cabelos. A bala aloja no teto. Seus joelhos dobram, e todo o seu corpo vem abaixo. Pela sua boca saem rios de sangue que cobrem todas as manchas de sua camisola. A mácula estava completa. O sol se pôs. O quarto estava escuro, ali, mortos, os três se igualavam por terem a cegueira humana.

Entrementes, em Brasília, o mal viceja de sol a sol; e por mais luminosidade que houver, a cegueira humana congressa.



13/07/08
 
* Onairam Mesrede= não se sabe nada sobre a sua vida, e nem tampouco se morreu, mas é fato, de vez em quando ele me assombro, por isso creio que logo ele me mandará um novo conto. Aguardemos.

10 comentários:

  1. E nós assistimos com a boca aberta tanto mal que macula a dignidade de uma nação.
    Abraços.

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  2. E nós assistimos com a boca aberta tanto mal que macula a dignidade de uma nação.
    Abraços.

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  3. Olá Eder, seus políticos aqui me fazem lembrar um aqui da minha terrinha que até já se foi para encontrar com os amigos dele lá em cima...rs
    O lema usado por seus correligionários era...
    "Ele rouba, mas faz..."
    É isso...rs
    Um abraço na alma...

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  4. Ando muito descrente com a nossa política.
    Muitos do que eu acreditava quando entraram para ela acabaram se corrompendo e dançando conforme a música tocada lá.
    Mas a esperança é a última que morre e ainda tenho fé em dias melhores.

    Que venham mais contos!!!

    Beijos com meu carinho

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  5. Amigo!
    Que conto! Que escrita! Parabéns!

    A corrupção parece mesmo hereditária. Moro num país que é considerado o menos corrupto do mundo. E por isto funciona tão bem. A começar, um político é uma pessoa normal, vale tanto quanto qualquer outro cidadão. Tem até aqueles que vão de bicicleta ao trabalho...
    Beijo

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  6. Caro amigo Eder.

    Na rota dos teus grandes contos, também este me reteve uma grande atenção.

    Pena que os políticos, tanto os de Brasília, como os de Lisboa, New York, Londres, Paris, Pékin, Madrid, Roma e tantos outros países e capitais, não usem camisola, porque sem ela não se podem manchar com o sangue dos outros.

    Excelente Crónica, grande escritor Eder, que me faz imenso prazer sempre ler e que contém a parte real e crónica do dia-a-dia dos povos.

    Em todos nós existe um pouco de Fedro, Farrah e Sarah, porque são esses os exemplos que nasceram de Adão e Eva.

    Um grande abraço, amigo escritor.

    Osvaldo

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  7. _____________________________

    Uma história bem triste...
    Gandhi, um dia citou: "enquanto for olho por olho, dente por dente, permaneceremos todos cegos".


    Beijos de luz e o meu carinho, Eder!!!

    __________________________________

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  8. Olá EDER...tenho certeza que você tem muitas passagens para contar...portanto, vamos a parte colada..rs
    Mudando de assunto, eu agora te convido a participar do aniversário de três anos do Verseiro, no dia 26 de janeiro.
    A idéia é que cada um que queira participar, faça uma postagem colocando uma foto sua quando criança ou adolescente junto a irmãos, primos ou amigos e conte alguma passagem de sua vida nessa época, alguma travessura, algum fato que marcou em sua memória de forma alegre, engraçada...rs
    Vamos comemorar e sorrir juntos...
    Conto com sua presença, mas fique a vontade quanto a fazer a postagem ou não ok...

    “O passado não reconhece seu lugar
    Está sempre presente”

    Mário Quintana

    Um abraço na alma...

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  9. OLá amigo...é para fazer a potagem aqui em seu blog ok...ansioso por sua história verdadeira...
    Sei que tens muito a dividir...
    Um abração na alma...bjo no coração...

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  10. E nós ... o que faremos diante de tanta bestialidade humana!?
    Talvez contienuemos a insistir nas burrices votando errado e assitindo CALADOS!

    AMEI bjs

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