Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sábado, 11 de julho de 2009

Nem só de milho vive o pinto

Seria necessário apenas cem passos para eu chegar à estação de trem que me levaria para casa. A rua era tão curta que eu tinha a sensação de que com cinqüenta passos estaria dentro da composição, mas devido à inquietação na minha mente procurando explicação do porquê eu não ter conseguido fazer o exame de espermograma por ELE ter falhado, mesmo se fosse necessário apenas um passo, a rua ganhou uma dimensão imensurável que chegar ao seu final seria um sacrifício jamais imaginado por mim.
ELE durante os meus cinqüentas e cinco anos bem vividos me proporcionou prazeres inenarráveis. Sempre descrito em letras maiúsculas e garrafais, significando toda a minha virilidade, a minha condição como homem-nordestino-cabra-da-peste que, devido esta falha, eu, agora, somente poderia descrevê-LO – para o meu desespero, desgosto dos meus antepassados que devem estar se virando nos túmulos e aflição para os meus descendentes -, em letras minúsculas.
Os passos, um ato mecânico que nós não pensamos, ao executá-los tornaram-se um tormento. Tirar o pé do chão, flexionar o joelho, recolocá-lo de volta mais adiante e repetir o mesmo ato com o outro pé somente era-me possível em um esforço mental pensado milimetricamente. Eu não sei se voltaria para casa.
Quando eu saí do consultório do urologista a rua estava diante de mim implorando para eu dar o primeiro passo e ir adiante, mas as palavras do médico me dizendo que eu não poderia usar nenhum medicamento alopata para que ele voltasse a ser ELE, devido ao ataque cardíaco que eu tivera um mês antes, não faria nenhum homem seguir adiante, quanto mais quando este homem deixa de ser homem. Diminuído ele, diminuto eu.
Chá de alecrim, de chapéu-de-couro, de semente de melancia, de manjerona. Ovo vermelho batido no leite quente com amendoim torrado e triturado, ovo de pata batido com cerveja preta e canela. Catuaba, ginseng, confrei, jatobá, guaraná em pó e gengibre. Tenho certeza que estes medicamentos caseiros não surtiriam efeito, o que eu precisava, realmente, era de um milagre, mas a probabilidade do milagre somente é possível quando se tem fé; eu não tinha.
Quando o desespero toma conta de nós, não controlamos mais nossa consciência, o raciocínio passa a focar um único objetivo, a solução do problema que está nos tirando o sossego, e, assim, passamos, mesmo não tendo fé, a acreditar em tudo que nos diz.
Sou trazido de volta dos meus pensamentos pela voz de um ambulante que vendia espigas de milho verde próximo do consultório médico. Ele, o ambulante, me diz que o milho, em Minas, é conhecido como viagra de pobre. Não sei o quê me moveu – a fé com toda certeza não foi, pois nunca a tive; a razão muito menos, pois ninguém é racional quando está desesperado – quando lhe comprei todas as espigas que havia na barraca. Eu dei os primeiros passos em direção à rua que me levaria à estação do trem suportando uma carga que não deveria devido a minha necessidade.
Durante três meses a minha dieta foi toda a base de milho, não sei se devido a isso, ou por carência de outros nutrientes, eu comecei a ficar pálido, a minha aparência era mórbida, e ele permanecia da mesma forma que estava quando da última vez que fui ao urologista, ou seja, morto. Eu voltei à barraca do ambulante para lhe mostrar a minha insatisfação com o “viagra de Minas”, fui surpreendido com a resposta do mineirinho, “uai sô, ocê tem que botar alguns caroços de milho no umbigo, pois-pois. Cumaé que o pinto vai levantar pra cumer se ocê não põe o milho no umbigo”. O fulminei com um olhar de raiva e ia partir para a ignorância, mas sou atraído por uma morena que passava diante da barraca.
O trânsito parou, todos os homens que estavam ali quebraram seus respectivos pescoços para olhá-la. “Isso sim que é trem bão sô. Pois-pois, quem precisa de viagra cu’a muier dessa, uai”, disse o mineirinho. Eu me enchi de felicidade, pois ELE finalmente deu ar de sua graça, estava vivo, se tornou maiúsculo. Tentei manter o equilíbrio, mas não foi possível. O buzinaço devido ao trânsito parado tirou-me a atenção, quando vim dar pela falta dela, ela já estava entrando na estação do trem.
Quando a fome e a vontade de comer andam juntas, não se medem esforços para se saciar. Se fosse necessário meio passo para chegar à estação do trem, eu chegaria, pois o desejo de pegar aquele trem me levaria a praticar o imponderável. Não foi necessário, bastaram apenas vinte e cinco passos. O cansaço ao final de uma corrida exasperante não me tirou o ânimo. O prazer que eu tive ao entrar naquele trem foi iningulável. Mas isso já é uma outra história.

8 comentários:

  1. O desfecho desta história deve ter sido muito legal mesmo. O dito cujo que o diga. Você agora atacando de crônica e misturando erotismo com escárnio.

    Muito bom de ler, Eder.
    Abraço forte, meu camarada.

    Continuemos...

    ResponderExcluir
  2. Eita Éder, não é que já fiz este "tar deespermograma" quando fiz vasectomia...rsrs
    A estória é engraçada Éder, e por coincidência lembra um conto de um prof meu da facul, também muito engraçado, pois é um assunto que por si só causa estardalhaço e faz a imaginação funcionar com muito humor, talvez este seja o segredo. Por falar em funcionar, dizem aqui nas minhas bandas que o amendoin é afrodisíaco a partir do momento que sua companheira tira as cascas que caíram sobre o "quase morto"...rsrs...e não por sua condição de alimento forte e quente...rsrs
    Tenho plena certeza de que o nosso amigo conseguiu recuperar os sentidos e saciar a sua vontade. Mais uma vez parabéns Éder...
    Este meu prof deve lançar o livro dele em agosto, e vou te enviar sobre este que lhe falei. O titulo é pequeno, médio e grande e se passa numa farmácia onde o cara tem que comprar um suspensório para testículos e é atendido por uma balconista ainda jovem e muito bonita...bem, aí a coisa se desenrola com muito humr, assim que eu tiver em mãos o livro te envio ok...E olha, já está pensando no seu livro? Não! Então comece a pensar...rsrs
    Um abraço na alma...bom domingo, perdoa o palavrório...rsrs...empolguei...rs

    ResponderExcluir
  3. Ao que parece a historia teve um final feliz, e ficamos todos curiosos querendo saber a continuação. Bom sempre te ler. Abraço grande, beijos pro Matheus. Helena

    ResponderExcluir
  4. Mas cumé que ele não põe o milho no umbigo????:D
    Eder, querido, divertido, bem escrito, interessante como sempre o seu texto. Sem falar q é informativo ;) rsrs.. parabénsss de novo, só para variar um pouco... E tamu aí pra sequência! :) Beijokas e uma ótima semana, com ótimas novidades ;-)

    ResponderExcluir
  5. Eder!

    Ao ler tua crônica, ri o tempo todo. Um texto com uma sutileza fascinante. Adorei o ELE em maiúsculas, dada a importância da "coisa" na história - e na vida do "eu" narrador. Ah, mas que alívio..., depois de tanto milho, parece que estava em pleno funcionamento. E como a história continua?

    Abraço, meu amigo

    ResponderExcluir
  6. Eder;

    Eta crónica pra botar pinto na picança!...

    Não sabia a quntidade de remédio caseiro que existia no Brasil sertanejo pro problema do ELE... Certamente que a Maria Bonita passou um tempão à procura do remédio milagre pr'acordar Seu Lampião, né?!...

    Não preciso repetir que estou rendido ao seu estilo bem original de escritura.

    Mas, como todos os outros, também eu estou curioso pra saber que aconteceu a tão bela morena,... Comeu milho ou foi o pinto mesmo?...

    Um abraço amigo Eder,
    Osvaldo

    ResponderExcluir
  7. "Quando a fome e a vontade de comer andam juntas, não se medem esforços para se saciar."

    Saciei minha fome de um boa leitura lendo as suas palavras...Adorei!

    Um beijo carinhosocli

    ResponderExcluir
  8. Passei para ver e deixar poesia

    Aconchego

    Poesia...
    Tantas vezes...
    Tão pequenina...
    E que tanto...
    Encerra...
    .....
    Hoje...
    ......
    Sem nada escrever...
    Apenas a pensar...
    Sinto que...
    Apenas a poesia...
    É o meu aconchego...
    .............

    Lili Laranjo

    ResponderExcluir