Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sábado, 25 de julho de 2009

Em casa onde a cobra não dá o bote, aranha é cutucada com o dedo

Bráulio - quando jovem - por ter uma fisionomia com traços que cabiam mais em uma mulher do que em um homem, era qualificado por outros homens de boiola, fêmeas e afins; lógico que isso não causava nenhum prejuízo a sua imagem perante as mulheres, pois sabia que era a inveja que movia os homens; além do mais, para as mulheres ele era a própria beleza. A natureza que não lhe deu apenas um rosto belo, mas também um corpo; proporcionou-lhe a ter todas as mulheres, desde solteiras até casadas. E foi com o sexo que ele gastou tanto a beleza do rosto quanto à do corpo; ao chegar aos trinta os vincos no rosto eram proeminentes, os cabelos rareavam, a barriga dava o ar de sua graça, arredondando-o; a beleza lhe fugira, tornara-lhe um homem comum.
Como para as mulheres - tanto quanto para os homens - o que é belo tem que ser jovem, Bráulio para ter prazer, agora, tinha que pagar. Em uma noite em que o dinheiro empregado para o prazer da carne foi mal gasto por ser a mercadoria de péssima qualidade, Bráulio resolveu que deveria casar, afinal as despesas seriam menores; pois com alguns trocados e muito sexo satisfazia uma mulher. Dentre as que ele transou, quando jovem, havia uma que lhe tinha muito amor, e além do mais era muito fogosa; vinha lua, vinha sol e lua de novo, e a mulher não se satisfazia. Chama-se Maristela, e com ela Bráulio contraiu matrimônio.
Bráulio sabia que todo casamento tinha pouca duração, eram suficientes apenas míseros anos para o amor esvair e mais alguns para o prazer sexual não mais existir. Houve muitas luas e muitos sóis de amor e sexos satisfeitos, mas decorridos cinco anos, apenas míseros cinco anos, para o amor ter sumido do coração de Bráulio e ínfimos três anos para a libido por sua mulher ter exaurido. Entrementes a outras mulheres não lhe faltava desejos, e recorrer a elas para satisfazê-los não demorou muito; e assim agindo se sentiu jovem de novo, apesar do tempo já ter decorrido, para ele, quarenta anos. Para Maristela não desconfiar de suas traições, ele era obrigado a satisfazê-la; pois ia Lua, vinha Sol e Lua de novo, e a mulher parecia ter fogo entre as pernas; para isso ele recorria ao santo milagroso remédio azul.
Decorridos mais dez anos e o bráulio do Bráulio não batia mais continência às outras mulheres, e o remédio que em casa fazia tanto milagre, começou a ser usado para fazer milagre fora de casa. Entrementes vinham todas as fases da Lua e todos os Sóis, e Maristela não mais tinha fogo entre as pernas, mas sim o próprio inferno em chamas; e Bráulio que era obrigado a apagar este fogo, não mais o pôde, pois o santo remédio deixou de fazer milagre tanto dentro como fora de casa. Para Bráulio começava o seu inferno, enquanto para Maristela seria o seu que não mais seria apagado. Ao Bráulio não houve outro recurso senão se conformar, e procurar prazer onde pudesse haver; ele achou em jogos, propriamente em casas de bingo. Entrementes Maristela teve que se apegar em tudo que era receita que lhe garantisse o renascimento da libido de quem a perdeu. Portanto, tudo que era tipo de salada que houvesse ovo de codorna na receita ele fez; a água para o café passou a ser fervida com canela; o leite era batido com chocolate e amendoim; gemada passou a ser o desjejum de todos os dias; estas e outras receitas exóticas não adiantaram nada, era como se o bráulio do Bráulio morto estivesse. O pior era que Bráulio sabendo que estava, bebia e comia resignado todo tipo de alimento, para ele mandinga, que sua esposa servia. Vendo que não conseguia sucesso com suas receitas, Maristela recorreu a todo tipo de simpatias; pois vinha Lua, ia Sol e vinha Lua de novo e nada do Bráulio ser o bombeiro para lhe apagar o fogo entre as pernas. E quando as esperanças lhe estavam sumindo, o fogo lhe consumindo até a alma, tendo a fidelidade não como capricho, mas sim como condição moral; seu vizinho com a mangueira em mãos a molhar seu jardim, parecia ser a solução, ela teve que se apegar às orações para não pecar. Como Santo Antônio era santo casamenteiro, pensou ela que seria este o santo que resolveria seus problemas; e de tanto orar e rogar as suas preces ao santo, dia sim, outro dia também, ele desceu do céu e deu-lhe o que pareceria ser a solução.
Entrementes Bráulio ia tendo prazer em bingos, ora ganhando muito, ora perdendo tudo. E no dia em que os ganhos foram maiores do que as perdas, Maristela pôs em prática a idéia sugerida pelo santo que consistia em comprar uma fantasia sexual. Por indicação de uma amiga, que de lençol e cama conhecia mais do que qualquer governo em praticar corrupção, comprou a fantasia de Tiazinha. Estava ela sob lençóis com cinta liga, corpete, luvas, máscaras e chicote quando Bráulio chega em casa, feliz por ter ganhado quinhentos mil no jogo, e surpreendido por ver Maristela naquele traje, sai correndo assustado. Tendo pernas o suficiente para lhe levar aonde desse, ele chega no bar vizinho a sua casa, demonstrando que ele estava ruim não apenas da perna do meio, mas das três; pede uma bebida e contrariado solta esta pérola:
- Porra, fui surpreendido pela minha mulher fantasiada de Zorro com um chicote nas mãos querendo me bater.
Como Maristela já havia pedido opinião à amiga, a cidade toda já sabia dos problemas de Bráulio e o que sua esposa estava fazendo para dar solução aos mesmos, então o dono do bar lhe devolve outra pérola:
- Pôxa Bráulio estava faltando uma peça para completar a fantasia de Zorro.
- Qual?
- A espada, se por acaso não houver espada em sua casa, eu empresto a minha.
Estas observações chegaram aos ouvidos de Maristela. Ela aceitava até ser confundida com a Mulher Gato, mas com Zorro era demais. Percebendo que com Bráulio não teria como satisfazer sua libido; que até o santo não resolveria o seu problema; e por medo de um castigo maior se pecasse; e principalmente por ser temente a Deus, daquele dia em diante, houvesse Lua, houvesse Sol, como na sua casa a cobra não dava o bote, a aranha seria cutucada com os dedos.

5 comentários:

  1. Eder,

    gostando estou destes teus causos. Comicidade e deboche na medida certa. Me fez lembrar da campanha ridícula do ministério da saúde há alguns anos, ao denominar o falo dos brasileiros.

    E quando não tem mais jeito, dá-se um jeito.

    Abraço forte, meu caro.
    Continuemos...

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  2. Eder;

    Excelente, como sempre.

    Esta sua maneira original de se expressar na literatura, é um verdadeiro achado gramatical.

    Pensei que era algo que se estava perdendo com o tempo, porque cresci lendo cronicas sertanejas e este seu estilo Nordestino/Mineiro deveria ser aproveitado ao máximo por ser o estilo do povo.

    Lendo suas crónicas, ninguém poderá ficar indiferente ao seu estilo bem brasileiro, maravilhoso e perfumado da boa literatura.

    Um grande abraço, amigo Eder.
    Osvaldo

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  3. Se ela estava fantasiada de Zorro, bastava ele dar uma de Tonto, desculpa mas não resisti ao trocadilho. Éder, mais uma vez o final ficou melhor do que a encomenda...conhece a CBJE?
    Dá uma olhadinha, livros de poemas, poesias e contos também.
    Um abraço na alma

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  4. Só você mesmo!!!
    Aqui é um conto melhor que o outro!

    Concordo com o Elcio na CBJE seus contos seriam destaque!

    Um abraço carinhoso

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  5. Que conto, meu amigo. Você está cada vez melhor. Concordo com o Osvaldo, seu estilo é bem brasileiro, uma linguagem que caracteriza o modo safado de resolver as coisas. Uma história divertida, muito boa de ler: Bráulio não podendo apagar fogos e Maristela sem a espada de Zorro!!!

    Beijo

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