Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Sentidos

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Agora são as lágrimas que me saem dos olhos e caem no chão; elas, em gotas, como na escrita, me parecem o ponto final do livro da minha vida, portanto a cada passo que eu dou há uma gota, ou seja, um ponto final determinando o curso da minha vida, não o fim em si, mas o fim do desejo de viver. As lágrimas, quem sabe um dia terminarão, o ponto final não; este é imutável.
Tempo passado.
Havia nela uma beleza estonteante, quase incômoda, que aos olhos de quem a visse, mesmo através de um prisma, as distorções que houvesse, beirava a perfeição. Era a bonitinha de coco de todos. A última bolacha recheada do pacote, se nela houvesse uma imperfeição, não seria a olhos vistos que se perceberia, precisaria muito mais do que apenas um sentido para se perceber. Mas quem disse que somos enganados somente pela visão. Sentir é a mutação da ilusão ganhando outra forma, imperceptível, até se tornar uma verdade incontestável. Quebrar este encanto do sentir era quase impossível. Quase, porque o maior de todos os sentidos, o amor, mesmo não dando vazão aos motivos racionais, também, sabia se proteger das ilusões.
Quando somos jovens, por mais racionais que sejamos, somos sempre levados pelo poder da ilusão por sermos cru de sentimentos. Quando a conheci tinha, apesar da pouca idade, conhecimento da ciência exata, mas pouco da ciência humana; e quando se conhece muito de números e fórmulas, somente percebemos o outro na sua forma física, a anímica, mesmo usando todo os sentidos, é ininteligível.
Tentei percebê-la olhando os seus olhos, mas estes se fixavam em um ponto infinito, e somente após alguns minutos compreendi que ela enxergava usando os outros sentidos; ela era cega, mas nas suas palavras, cego não é aquele que não tem a visão, mas aquele que não consegue enxergar como os outros sentidos.
Nunca compreendi a expressão, cego de amor; e, nunca imaginei, que a compreenderia anos mais tarde. Entre nós não havia apenas um cego, mas dois; ela pelo físico, eu pelo anímico, pois havia caído de paixão por ela que não conseguia enxergar nada em meu campo de visão senão ela. Mas eu não percebi que ela era, também, cega animicamente. Envolto na rede da paixão, tal qual a piranha envolta na rede do pescador, sendo que o peixe tenta se salvar, ora mordendo a rede, ora mordendo outro peixe preso na mesma armadilha, eu, inerte, não lutei, pois não me via como um presidiário, mas sim liberto duma solidão que me havia fechado em um mundo que só eu habitava. Por isso quando ela disse que seu maior desejo era perceber aos outras cores, senão o preto, eu não pensei duas vezes para lhe dar uma das minhas córneas sem ela saber. O poeta disse que o arco-íris tem sete cores; quando ela percebeu a vida com todas as suas cores, eu percebi o arco-íris apenas em uma cor, o cinza. Ela não me aceitou por eu, também, ser cego de um olho. A rejeição ensurdeceu-me. A vida ficou sem sentido. Perdi todos os sentidos. Saí da sua vida, mas antes a pedi para que ela cuidasse do seu olho, pois o olho que havia no meu rosto não conseguiria enxergar a vida da forma que ele enxergava quando tinha o olho que ela carregava.
Não a odiei por isso, pois não cabia em mim outro sentimento senão o amor. Não a percebi como ela era, e mesmo a percebendo como ela é, não consegui apagar o amor que eu sinto por ela. É o sofrimento uma grande escola para nos ensinar sobre a ciência humana; em mim não havia apenas números. Por mais que eu adisse, subtraísse, dividisse e multiplicasse, não havia outra ciência que explicasse o que eu sentia por ela senão a humana, e era nessa ciência que eu me apegava para deslembrar as dores do sofrimento. Soube dela depois de vinte anos decorridos após o transplante de córnea; ela estava em estado terminal esperando um transplante de rins. Quem há de explicar os motivos que o amor nos leva a agir contra a razão; quando tudo nos diz para seguir em uma direção e o amor nos diz para seguir noutra. Quem há de explicar.
O médico me disse que o meu rim era compatível, mas que se eu o doasse, provavelmente não sobreviveria muito tempo com o outro. Quem há de explicar as razões que leva o amor a ir contra a razão. Não é a ciência exata e nem a humana que explica a vida; se há um sentido em viver, é o amor que o defini. Pedi ao médico que a recomendasse a cuidar do rim da mesma forma que ela cuidou do olho.
Tempo presente.
“Em um reino muito distante havia um príncipe que amava a mais bela moça, e esta mesma moça era amada pelo bruxo deste reino. Invejoso o bruxo retirou deste reino o sol e a lua para que o príncipe não a percebesse, mas o quê o bruxo não sabia era que não precisamos da visão para perceber o outro quando o percebemos pelos outros sentidos. E assim o príncipe quebrou o encanto e fez luz em suas vidas. E foram felizes para sempre”.
Não acreditei quando percebi sua voz, o seu aroma adocicado, o seu toque suave a me levantar e o sabor de seus beijos nos meus lábios. Não a vi, pois quando beijamos não precisamos da visão. Senti sua suave mão a pegar três gotas de minhas lágrimas para não dá final a história...

7 comentários:

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    É, meu amigo... O amor(?) nos deixa cegos... Mas, penso que amor de verdade, é aquele que nasce entre duas pessoas...Como uma ponte, que vai e vem... Quando é unilateral, creio que não é amor...

    Muito bom o seu conto!!!

    Sempre feliz de vir ler os seis textos!

    Beijos de luz e um domingo feliz...

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  2. Uma bela forma de se ver e ver os outros. Carinhosamente Dinigro Rocha.

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  3. Mas o quê o bruxo não sabia era que não precisamos da visão para perceber o outro quando o percebemos pelos outros sentidos.
    Sendo assim o amor não é cego, enxerga longe...arrebentou Eder...um abraço na alma

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  4. A morte metaforiazada numa gotícula lacrimal.

    Boa história, Eder. Deixa a gente na curiosidade, se realidade ou se ficção.

    Abraço forte.
    Continuemos...

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  5. Oi Eder;
    Que sorte nós temos de ter quem nos ofereça crónicas límpidas, suaves e cristalinas mesmo quando o conteúdo das mesmas são torrentes vulcânicas de amor e paixão que cegam e embebedam com seus vapores os actores reais desta comédia digna dos melhores autores literários e o Eder pode-se considerar um "Grande" da literatura.

    Um grande abraço, caro amigo Eder.
    Osvaldo

    PS- Do post anterior já o traduzi para o francês e com um pouco mais de tempo, que me tem faltado, também o farei em inglês. Logo que seja feito, o enviarei para o amigo.

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  6. Hoje decidi visitar todos os blogs que acompanho.

    E chegar aqui...é ter pura emoção!

    E é com imenso carinho que
    venho lhe desejar
    um belo final de semana

    Um abraço carinhoso

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